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Uma “sociedade administrada” 

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09.12.2025

Em 1975 eu tinha apenas oito anos. Tinha chegado de Angola, onde tinha nascido, num dos aviões da ponte aérea, e pouca consciência tinha de mim quanto mais do país para onde os meus pais retornavam. Em novembro estava apenas a lidar com o meu primeiro inverno em Portugal.

O 25 de novembro não só não me disse nada na altura, como durante muito tempo. É a hipótese que vou colocando, na última década, sobre a Administração como lugar a partir do qual temos de compreender a sociedade portuguesa nos últimos 50 anos, que me interroga se para além da disputa política entre militares, não havia outra história — mais silenciosa, mas decisiva: a história da Administração Pública e do seu papel na recuperação do poder perdido no PREC. Tal implica colocarmos o foco na seguinte problemática: a sociedade cria a administração pública ou, pelo contrário, é a administração pública que cria a sociedade? Não era essa mesma a luta durante o PREC? E não é importante perceber-se claramente que lado ganhou essa contenda? Esta questão replica, num outro nível, a problemática entre a tese primordialista (a nação cria o Estado) e a tese modernista (o Estado é que cria a nação).

A questão mais enfaticamente proposta em torno do 25 de novembro tem sido de regime político: a escolha de um socialismo democrático ou social democracia em face da possibilidade do comunismo. A luta entre os cravos vermelhos e as rosas brancas no parlamento em 2025 expressam ainda esta lógica. E nesta escolha tem-se referido muitas vezes uma coligação de vontades entre os responsáveis pelo 25 de novembro e o povo português, expressa em urnas para a Assembleia Constituinte, a 25 de abril de 75. Não refutando esta síntese, a questão que coloco é até que ponto esta versão oculta uma outra: a de um trade-off em que a aceitação de um regime político democrático se faz na instauração de uma ‘sociedade administrada’. Ou seja, o retorno de uma administração centralista, burocrática e controladora territorial, institucional e, mesmo, policialmente que tem consequências na vivência quotidiana e na cidadania que aceitamos até à actualidade: uma cidadania, acanhada, amedrontada, contida.

O “25 de Abril” libertou Portugal, mas desorganizou profundamente o Estado. Ministérios, câmaras, tribunais e serviços públicos que perderam autoridade e orientação. A política devorou a administração; as comissões de trabalhadores, comissões de moradores e comissões administrativas rivalizavam com chefias burocráticas e regulamentos contraditórios substituíram a estabilidade institucional. Iniciou-se um período de experimentação de novas ‘formas sociais’ em que ideologias políticas propunham novos arranjos administrativos e de gestão a partir de baixo. Vivia-se a utopia de que a sociedade poderia (e deveria) propor uma nova forma de administrar o que nos era comum (a Administração........

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