Da entropia e do impoder: entre a cultura zombie e a cultura
1. O leitor se não é distraído deparou-se já com a entropia e o impoder. Quer como funcionário (com a sua entidade patronal), quer como cliente (com a banca por exemplo) ou como cidadão (por exemplo com as finanças) há-de ter-se deparado com erros ou mesmo cadeias de erros e com a incapacidade ou mesmo a impotência para os resolver. O leitor há-de ter o dilema de muitos portugueses: entre os brandos costumes da aceitação de que o erro é sempre nosso e a desistência de direitos por um lado, e, por outro, o escândalo, ou mesmo o impulso violento, em última análise homicida. Este dilema já fez o seu caminho psicológico e mesmo social na sociedade portuguesa. Em geral parece que preferimos aceitar a ‘não inscrição’ ou, de forma mais coloquial, ‘passar entre os pingos da chuva’ ou, ainda, ‘ser catavento’ (alguns utilizam o inglês, o que não é despiciendo, dizendo que preferem viver ‘under the radar’). Em suma, o ‘medo de existir’ caracteriza-nos, como diz José Gil.
Ainda assim, o país vive um dilema entre a desistência e a resistência. E há alguns que resistem. Muitas vezes, na espuma dos dias, só nos apercebemos dessa resistência quando assistimos a alguém aos gritos numa instituição pública. No entanto, há muitas mais acções dos portugueses resistentes. Chamar à atenção do erro na altura em que está a ser cometido (quer oralmente, quer por escrito em situações de processo); entrar em repartições de finanças e de bancos ou outras, chamando o gestor ou o chefe de serviços acabando, inevitavelmente, aos gritos; fazer reclamações online e no livro de reclamações físico, exposições a superiores hierárquicos e a Inspecções Gerais; enviar denúncias ao Ministério Público e colocar acções em tribunal.
2. Da cadeia de erros: uma cultura de infracção ou uma cultura justa? Certamente que o leitor já se deparou, quer em instituições públicas ou privadas, com erros, sejam lapsos, negligências ou erros intencionais. que são cometidos por profissionais. “Quem não erra?”; “Errar é humano”…”Aprendemos com o erro” e outros bla bla bla são proferidos neste quadro quando se descobre o ‘gato’. E, no entanto, é raro, que os profissionais e as instituições tenham verdadeira consciência, e muito menos assumam, de facto, o erro e, portanto, as suas diversas consequências (muitas vezes de vários tipos e dimensões). De facto, quais as instituições em Portugal que têm um sistema de reporte de erros? Quais as instituições que têm um sistema de memória institucional de erros? Quais as instituições que têm um protocolo do erro: em que os erros mais comuns estão classificados assim como o que fazer quando tal erro ocorre? Sem nada disto não se pode aprender com os erros! Tal frase é mera treta: um erro!
O que houve foi uma aprendizagem institucional por um lado para a) uma lógica de “os erros evitam-se, não se desculpam” (o que é um erro pois cria um medo de errar e de reportar o erro – o erro como vergonha) e, por outro, uma aprendizagem para b) uma lógica da transferência da culpa do erro para o cliente-cidadão por uma macdonaldização dos processos – em última análise é o........
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