A Serra e o país florestal: eobiografia
A Serra era a propriedade mais querida do meu avô. Com vinha, com eira, com lameiro, com mina, com casa…com tudo. Era também a maior propriedade que tinha: 12 hectares. Da varanda da casa típica transmontana, no cimo da aldeia, conseguia-se identificar ao longe a Serra. Era toda uma encosta do monte virada para a aldeia e ainda uma parte da encosta contrária, que ficava oculta. Lembro-me de ir à Serra quando era miúdo. Era longe e íamos a cavalo por caminhos muito estreitos, caminhos de cavalo, não muito bons de todo. Lembro-me do meu avô ter sempre receio que o cavalo tropeçasse. Talvez já não fosse muito novo e o cavalo era um elemento fundamental, uma espécie de parte da família. Não sei já quantas horas levávamos a chegar à Serra mas haveriam de ser duas ou mais. Quando se ía à Serra era para passar lá o dia todo. A casa, que era grandemente um armazém, fazia também as vezes de espaço de refeição e de sesta antes de voltar ao trabalho. As paredes de pedra ainda lá estão.
A Serra começou a ser abandonada ainda o meu avô era vivo: com o primeiro incêndio. Foi da varanda da sua casa que o meu avô viu a Serra a arder. Foi em 1976 e esse momento marcou, de certo modo, o fim de uma geração em que a agricultura tinha significado e possibilitou, com esforço, educar os filhos e dar-lhes uma vida melhor, longe do campo. Os meus avós, paternos e maternos, nem sequer queriam que os filhos trabalhassem na agricultura. E, por isso, alguns dos da geração seguinte, nem sequer conheceram várias das propriedades agrícolas, principalmente se eram longe. A agricultura era (e é) uma vida difícil e a educação era a forma de poupá-los a essas agruras. Os dois filhos dos meus avós maternos vieram muito cedo para a cidade e depois rumaram para Angola, já como funcionários públicos urbanos. Regressaram como ‘retornados’ faz agora 50 anos, na famosa ‘ponte aérea’ para a cidade grande e a ‘terra’ continuava a ser muito longe e o tempo era escasso. Não havia autoestradas, demorava-se mais de três horas a chegar, as curvas eram muitas e eu enjoava sempre. A agricultura já era uma ‘sobrevivência’ de um modo de vida e o incêndio de 1976 marcou o início do fim da paisagem agrícola enquanto elemento presente na história da família.
O meu avô morreu em 1978. A Serra ainda tinha sido replantada com vinha por teimosia e por orgulho de não se ter uma terra abandonada, pela minha avó e já com o meu avô doente, mas nunca chegou a dar rendimento. Houve depois outros incêndios e já estava a ser ocupada pela floresta, como tantas outras Serras, quando Gonçalo Ribeiro Telles cria as figuras jurídicas da REN (1983) e da RAN (1989). Ribeiro Telles foi um........
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