menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

Um projeto iluminista de refundação de Portugal

8 0
09.05.2025

Na sua obra As Estruturas Antropológicas do Imaginário (1989), Gilbert Durand caracteriza o “regime diurno da imagem” como sendo o de antítese, por oposição ao regime noturno, cuja existência simbólica não só é autónoma, como também permanentemente sombria. Quer isto dizer que a presença de luz implica sempre um espaço de treva complementar e consequente que com ela contrasta e a caracteriza, ao passo que a noite é simbólica e redundantemente noturna. Ora, os diferentes Iluminismos europeus que se consolidaram sobretudo ao longo do século XVIII são, pois, regimes dicotómicos por excelência, onde a luz, simbolicamente enraizada na ideia de razão, contrasta com a sombra, conotada com a ideia de ignorância.

Os diferentes matizes de claro/escuro que escrevem a nossa história encontram no período josefino-pombalino (1750-1777) uma síntese complexa que importa decifrar, ou pelo menos procurar compreender. A dificuldade histórica de figuras como Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal e valido do D. José, resulta não tanto da distância cronológica que nos separa, mas sobretudo de paixões mais ou menos intensas que moldam a visão de quem revisita a imensa atividade reformista do ministro do rei. Entre filopombalinos e antipombalinos, talvez se destaque a posição do Padre Manuel Antunes, célebre jesuíta, quando foi incumbido de organizar um volume de estudos sobre o Marquês de Pombal, por ocasião do segundo centenário da sua morte em 1982. Tarefa difícil para qualquer pensador, muito mais para um jesuíta português que não pode deixar de carregar a marca temporal da expulsão da sua Ordem pela mão de Pombal, em 1759, a primeira que provocaria um efeito semelhante em outras monarquias europeias, resultando ultimamente na extinção da Companhia de Jesus em 1773 pelo papa Clemente XIV. Porém, ao aceitar o desafio, Manuel Antunes procurou seguir a máxima de Tácito, sine ira et studio (“sem ira e sem favor”), intitulando o livro com uma interrogação inquietante: Como interpretar Pombal? (1983). Talvez a melhor postura seja mesmo a de um questionamento prudente, que permita uma leitura mais crítica do legado pombalino e que procuraremos acompanhar.

No caso português, a governação josefino-pombalina é um reflexo da doutrina política do regalismo, que tinha como ponto nevrálgico o cabal reconhecimento do rei como única entidade licitamente dotada de poder para governar o país. Influenciados por algumas teses de inspiração jansenista, os ideólogos pombalinos defendiam a noção de predestinação divina como sinal........

© Observador