Os rapazes na ilha
Nas palavras do escritor Vergílio Ferreira, “a História do Homem é a das suas utopias”, que seriam expressão da sua permanente insatisfação. Mas a relação pessoal que estabelecemos com a ideia de utopia depende, na verdade, de uma perspetiva antropológica: de que modo vemos o homem e a sua natureza?
Se admitirmos uma natureza imperfeita do homem, capaz do bom mas também do mal, a eutopia, o bom lugar, torna-se impossível. Afinal, um ser imperfeito não será capaz de concretizar um projeto perfeito e não seria, assim, surpreendente que todas as utopias se transformem em distopias.
Mas, se negarmos a ideia de natureza humana, se negarmos que exista uma forma de ser humano que condiciona o modo como nos comportamos, podemos acreditar que é possível resolver todos os problemas sociais. É precisamente esse exercício que Rafael Hitlodeu, o navegador português que ocupa o lugar central na obra Utopia de Thomas More, traduz na seguinte formulação: todas as injustiças sociais decorreriam da existência de propriedade privada, pelo que, se abolíssemos a propriedade privada, criaríamos um mundo justo e de plena felicidade para os homens.
Parece residir aqui o âmago da reflexão metapolítica por excelência: se não existir uma natureza humana, se tudo for construção social, então tudo se torna possível. Bastaria abolir as instituições injustas e reformular as que nos parecem erradas, por mais antigas que sejam, para criar um mundo perfeito, sem problemas. Tudo dependeria da imaginação humana, que atuaria sem limites, e assim poderíamos sonhar com um mundo sem propriedade, sem polícia, sem prisões e sem fronteiras, ao estilo de John Lennon.
Não podemos negar: é uma hipótese........
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