Eça de Queiroz … e umas tesouras!
No passado dia 16, cumpriram-se 125 anos sobre a morte precoce de José Maria Eça de Queiroz, pois tinha apenas 54 anos. Graças a esta efeméride, vem a propósito recordar, in memoriam, uma sua divertida carta ao director da Companhia das Águas de Lisboa.
Queixa-se Eça de Queiroz do incumprimento, por parte da Companhia, da sua contratual obrigação de fornecer ao escritor, bem como à sua família, o precioso líquido, não obstante o seu escrupuloso cumprimento das obrigações contratuais. A reclamação por uma razão tão prosaica estava condenada à irrelevância própria do que é banal, mas Eça de Queiroz aproveitou a ocasião para manifestar, num texto hilariante, a sua imensa imaginação e não menos exuberante ironia, em que não falta alguma picardia, que os mais escrupulosos, ou sensíveis, farão o favor de desculpar.
Importa recordar que José Maria Eça de Queiroz, inquilino recente do Panteão Nacional, não só era bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, a única onde então se ministrava esse curso, mas também filho e neto de ilustres juristas. Contudo, não obstante a sua formação jurídica, incorre no erro de apelar à justiça distributiva – que rege a relação entre o Estado e os cidadãos, premiando méritos e sancionando faltas – quando, pelo contrário, o incumprido contrato se insere no âmbito da justiça comutativa, própria das relações jurídicas estabelecidas entre iguais. Mesmo tratando-se, por um lado, de uma entidade colectiva, como é a Companhia das Águas, e pelo outro, um simples particular, são duas pessoas dotadas de personalidade jurídica que estabelecem entre si um contrato na base da equivalência das respectivas prestações. Ou seja, ao serviço prestado pela Companhia há-de corresponder o pagamento a efectuar........
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