menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

De Frei Gilson à Missa de Trento: 2 refúgios do mesmo vazio

11 7
31.10.2025

Há uma realidade que se torna cada vez mais evidente no interior do catolicismo contemporâneo: enquanto a Igreja institucional tenta estabilizar-se no centro, as pessoas deslocam-se para as margens. Não é um movimento ideológico, nem uma moda estético-litúrgica, nem sequer um regresso nostálgico ao passado. É uma resposta instintiva a um vazio. Há muito que o catolicismo “do meio” perdeu densidade identitária, e o corpo procura por conta própria aquilo que já não recebe da cabeça. A prova é empírica e está diante dos olhos: basta entrar numa Missa tridentina em Lourdes, ou em São Pedro em Roma como aconteceu recentemente, para perceber que o impacto não é teológico — é simbólico. As famílias não se ajoelham porque leram Pio XII; ajoelham-se porque ali percebem, sem precisar de explicação, que algo as ultrapassa. O vestir cuidado, a postura reverente, o silêncio que não é constrangimento mas habitat: tudo comunica pertença. Ninguém precisa de decifrar o rito para sentir que ali existe um centro de gravidade espiritual.

Do outro lado, em sentido aparentemente oposto, o fenómeno Frei Gilson e Canção Nova mostra o mesmo movimento interior expresso noutra linguagem. Não é o “louvor” que arrasta multidões; é o facto de alguém falar com ardor, orientar sem medo, nomear Deus sem hesitações, tocar emoção sem pedir desculpa. Se o “tridentismo”devolve à fé corpo e sacralidade, o universo carismático devolve-lhe calor e chama. São duas portas diferentes para a mesma casa simbólica: o ser humano procura experiência religiosa que o integre, não comentário religioso que o descreva.

Este é o ponto antropológico que muitos líderes eclesiais recusam encarar: quando a instituição deixa de gerar pertença, o fiel procura pertença fora da instituição — mesmo continuando dentro da fé. É um desencontro interior: não foge de Deus, desvia-se do lugar onde esperava encontrá-Lo. O centro deixou de radiar algo que se possa habitar espiritualmente. E quando o centro se torna funcional, as margens tornam-se vivíveis. O problema não é a “fuga” para os extremos: o problema é a desertificação do meio.

Durante décadas repetiu-se que a renovação pós-conciliar consistia em “aproximar a Igreja do povo”. Aproximou-se na linguagem, mas afastou-se na densidade. Fez-se a pedagogia da simplificação, mas negligenciou-se a pedagogia da pertença. O catolicismo litúrgico ensinou as pessoas a participar, mas não a habitar. A palavra ficou; o símbolo rareou. A assembleia ficou; o mistério dissipou-se. O resultado é visível: muitos já não........

© Observador