O Café
No Estoril, desde sempre, ainda miúdos, costumávamos parar ali pelo Deck. Era o local onde se combinava estar, onde os pais nos largavam, ou onde nos vinham buscar. Numa época em que ainda não existiam telemóveis, era para o próprio Deck que ligávamos, transmitindo mensagens, visando chamar este ou aquele, explicar que se estava atrasado — hábito, na altura, menos comum, refira-se — ou, simplesmente, para pedir qualquer coisa ou deixar recado a alguém que, mais tarde ou mais cedo, sabíamos passar por lá. Além de ponto de encontro, portanto, o Deck era também um centro de troca de informações, um número de telefone que todos tínhamos decorado, ou guardado na carteira, e onde, quase todos os dias, poderíamos ser encontrados. Para telefonarmos de volta, também dava, mas, mais barato, nas arcadas, logo no início, perto dos túneis da Marginal, havia uma cabine telefónica que, por 10 escudos a cada 30 segundos, nos safava em muitas ocasiões. Aliás, por vezes, até saía de borla porque, mesmo sem crédito, a máquina fazia a chamada até ser atendida, o que permitia saber, por exemplo, se alguém estava em casa apenas ouvindo aquele breve segundo em que alguém respondia.
Hoje em dia, as coisas estão muito diferentes. Não só há muito mais miúdos, como todos têm carteiras mais recheadas. Ao mesmo tempo, estrangeiros pululam a cada esquina, quer porque o turismo em Portugal, e em Cascais em particular, atingiu volumes inimagináveis há 30 ou 40 anos, quer porque a comunidade estrangeira que escolheu o Estoril para viver também cresceu em grande proporção. Hoje, as esplanadas estão cheias, os inúmeros restaurantes também, sem mencionar que a própria terra, em particular a costa, com muito mais prédios, casas e hotéis, se modificou bastante. Na altura, nos anos 90 do Século passado, tudo era mais familiar. Um meio mais pequeno, onde praticamente todos se conheciam, pelo menos de vista. E o Deck, em particular durante o ano, quando o turismo era residual, com as suas grandes esplanadas vazias durante a semana, era, acima de tudo, o poiso habitual de um grupo grande de miúdos que frequentavam os Salesianos, a escola ainda hoje situada à entrada da Marginal, logo após a bomba de gasolina.
Assim, de manhã, no intervalo das 10 para um café ou um bolo, à hora do almoço para o bitoque, à tarde, após as aulas, para uma torrada e, claro, às Sextas e Sábados, como rampa de lançamento do roteiro nocturno, éramos nós que dávamos vida, e negócio, ao estabelecimento. Ou seja, quando, já no Secundário, mais independentes, saíamos à noite, a coisa começava, normalmente, no Deck. Depois, logo se via no que dava. Se ficando no Estoril, provavelmente uma saltada até ao Ruína para jogar matraquilhos na cave, isto enquanto refinando a arte de aldrabar as mesas com cartões nas balizas para não deixar as bolas entrarem na máquina — quantos jogos dava cada moeda de 50 escudos? —, para, depois, já passada a meia-noite, ir dançar no Louvre, a discoteca do Hotel Paris. Mais velhos, também mais compostos, a alternativa era já ir a pé pela Marginal até ao Bauhaus, sempre sem descurar as raparigas do grupo, ou com quem nos cruzássemos, com quem se poderia fazer par para poder entrar. Para finalizar a noite, já em plena madrugada, um clássico era o pica-pau do Tiny, ali na Rua da Polícia. E, claro está, tudo isto com o cenário sempre constante, ali ao lado, das Praias do Tamariz, da Poça ou da Azarujinha — de facto, éramos uns sortudos a viver dias maravilhosos, sem disso fazermos ideia.
Certo dia, em meados dos anos 90, os planos, por alguma razão, provavelmente financeira, incluíram umas latas de cerveja compradas na antiga Mobil que, depois, com a confiança de sermos mais de vinte a almoçar todos os dias da semana no Deck, nos demos ao luxo de ir beber para o final da esplanada, debaixo de uma árvore grande que ainda lá está — não lhe sei o tipo nem o nome, mas que larga umas bolotas rijas e pegajosas. A ideia não era nova, e o Sr. Vítor, o dono do Deck, sempre........
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