A jurisprudência da ignomínia
Foi com honras de conferência de imprensa, aparentemente reservada para momentos de significado político particular de que só algumas votações se podem revestir, que o colégio de juízes conselheiros do Tribunal Constitucional anunciou ao País o seu essencial acordo com as queixas do Presidente da República no que toca às mudanças na chamada “lei dos estrangeiros”. Com um presidente do TC menos exuberante e mais contido do que no passado, a encenação repetiu, no entanto, um alinhamento que o País já conheceu. Uns dias antes, num gesto que o define, o PR proclamara que a atual maioria seria “julgada” por isto. Ele esqueceu-se de que o julgamento político, quando nasce, nasce para todos – para ele inclusivamente. Desse julgamento, ainda que já não eleitoral, ele também não se livra.
Previsivelmente, o TC, em aliança mais ou menos tácita com o PR, resolveu abrir uma guerra contra o Governo e iniciar a resistência ao fascismo a partir das trincheiras abertas no Palácio Ratton. O assunto em mãos parecia proporcionar o guião com que as esquerdas em frangalhos, na sua imaginação essencialmente maniqueísta, gostam de sonhar: a humanidade contra a crueldade; a boa consciência da esquerda contra a opressão das direitas.
Com maiorias variáveis nas diferentes votações, o TC mostrou no acórdão que, no essencial, ainda que não inteiramente, concordou com as acusações do PR. Não digo “dúvidas”, nem “suspeitas”. Digo acusações de desconformidade com a Constituição porque Marcelo, co-patrocinador político do estado a que as coisas chegaram em Portugal em matéria de migrações, pretende derrotar politicamente o Governo neste assunto. Anulado o poder de ameaçar o governo com dissoluções da AR, Marcelo arrastar-se-á até ao final do seu mandato para conservar estas relíquias do governo de Costa, sem glória pessoal, nem proveito nacional. Erro dele que julga que ainda está em 2016.
Mas, por enquanto, é sobre o acórdão que é preciso falar. No exercício das suas funções públicas, em que exerce um inequívoco poder político, um juiz constitucional não é chamado a pronunciar-se sobre a bondade ou a eficácia das políticas públicas, cuja responsabilidade de preparação, execução e avaliação pragmáticas pertencem aos outros órgãos de soberania. Os juízes terão todos, sem exceção, as suas inevitáveis preferências políticas e ideológicas – e nalguns casos inflexivelmente partidárias –, para não dizer que têm diferentes percursos intelectuais e experiências de vida diversas. Daí que as........
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