A banalidade do ódio
Para que não vos assusteis, aviso já que não vou falar do Grande Ódio, aquele que alimenta as guerras e engrossa a voz dos ditadores, o sibilar das ordens dos torturadores, o grito dos militantes ou simples habitantes dizimados a golpes de água e fogo por esse mundo de dores.
Vou falar daquele ódio miudinho, britado, guardado a fermentar ou bolsado em jactos fininhos de palavras azedas ou frases aceradas, lançadas como agulhas venenosas do calibre das que não matam mas moem. Aquele sentir sarnento de permanente comichão, virado contra um ou mais alvos de estimação, sempre à cata da oportunidade de aliviar a coceira própria arranhando o próximo. Aquele ódiozinho rastejante que tinge as intervenções críticas que pululam pela redes socias arvorando bandeiras furiosas de saber e conselho.
As simples e legítimas opiniões divergentes convertem-se em sentimentos, nascem e medram em meios de comunicação fácil e segura, em que o falso e verdadeiro se equivalem e se expõem, dando voz a convicções egotistas de timbre acerado e rasteiro. E se assentarmos em que o ódio em si, enquanto sentimento, é, como todos os sentimentos, natural e legítimo, temos obviamente que atender a que, como eles, este é graduável e suscetível de expressão variada e pode vender-se quente ou frio, com espontaneidade no calor dum impulso ou suavidade cínica da arrogância de uma qualquer autocracia. E se por vezes somos levados a pensar que sentimentos como o medo ou a compaixão – e o ódio com eles – são espontâneos na sua assunção, temos que reconhecer que, como alguém disse, “os sentimentos são também criaturas sociais” como tal sensíveis à reciprocidade ou à cópia de emoções outras. Assim, a horda dos mal-dizentes digitais intercambiam o seu ódio que, em tal exercício, se vai exacerbando passando da simples opinião à agressão verbal, insistente e incontrolada nos termos, de um único a um múltiplo.
É que, na sua expressão, há ódios e ódios. Lembra-me aqui a história que a História celebrizou, do despique entre Lady........
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