A intragável pós-verdade
1 No nosso país já não há verdade. Só há pós-verdade. Esta é uma fabricação divulgada pela escola, pela comunicação social escrita (o célebre jornalixo) e pelo audio-visual, sobretudo pela primeira, através, designadamente, de uma série de jornais diários e de hebdomadários, uns já falidos e outros por falir.
Nada na pós-verdade é autêntico. Tudo ou quase tudo o que a comunicação social manipula está longe da realidade. Cria assim uma outra realidade «mais verdadeira» por detrás das coisas de que o cidadão comum se apercebe e quer reinar sobre elas. Serve propósitos total e unicamente ideológicos ou seja, obedece ao princípio segundo o qual uma única ideia chega para explicar tudo a partir da premissa que contém. Tudo se explica por dedução a partir daqui. Qualquer experiência ou percepção autónomas que o cidadão possa ter de nada vele porque tudo está compreendido na progressão a partir daquela ideia. É inimiga jurada do pluralismo e do esclarecimento. O objectivo é transformar a realidade através da doutrinação ideológica à qual a realidade tem de se conformar. Como não tem ideias novas nem percepção crítica das antigas usa ainda hoje uma terminologia com o significado que tinha há quase cem anos porque lhe falta capacidade para construir os conceitos adequados à complexidade das coisas dos nossos dias. Não se limita a mentir porque a mentira supõe a distinção entre ela e a verdade. Trata-se de falsificar a verdade impondo outra que não existe.
A pós-verdade destrói a própria noção de verdade. Aproveita-se da vida democrática que dá livre curso à opinião, pois que a democracia é o regime da opinião, mesmo que asneirenta, para inundar a vida colectiva de atoardas que visam condicionar a opinião. Os sequazes da pós-verdade não querem saber da verdade para nada. Só lhes interessa a ficção que constroem.
O seu propósito é fazer o cidadão consumir as patacoadas que debita e fazê-lo acreditar nelas por falta de opções. Não lhes passa pela cabeça que é só a partir da pluralidade que podemos construir a nossa individualidade e a crítica. É que a democracia é o lugar do confronto dos pontos de vista assim permitindo definir orientações políticas e propósitos éticos acessíveis e racionais. Vive do senso comum e este, contrariamente ao que muitos pensam, não........
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