menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

O paradoxo da tolerância e o liberalismo militante

11 1
20.07.2025

Uma sociedade pode ser imaginada como uma imponente catedral. Os seus mestres construtores, inspirados por uma visão transcendente, elevam arcos vertiginosos, abrem espaços vastíssimos e instalam majestosos vitrais destinados a deixar penetrar cascatas luminosas. A beleza desta estrutura vive indissociável da sua abertura. A sua grandeza habita precisamente na sua vulnerabilidade. A democracia liberal, com as suas garantias constitucionais como a liberdade de expressão, a tolerância e uma praça pública aberta, encarna exatamente este género de edificação. Contudo, tomámos consciência de como as suas virtudes mais sublimes— a tolerância face aos intolerantes, a hospitalidade oferecida a ideias que procuram a sua destruição — podem ser astuciosamente exploradas numa nova forma de sabotagem ideológica, executada a partir do seu próprio interior. Os magníficos vitrais da catedral podem transformar-se em pontos vulneráveis de infiltração para aqueles que, uma vez no interior, os despedaçariam sem hesitação, precipitando assim a queda do teto.

Este dilema levanta uma questão inquietante: como poderá uma sociedade comprometida com a abertura proteger-se das patologias da intolerância sem trair os seus próprios princípios fundadores? A resposta talvez não esteja em renunciar aos nossos ideais, mas antes em conceber o Estado liberal como um organismo vivo. Tal como qualquer corpo complexo, a sua saúde depende de um sistema imunitário sofisticado, apto a identificar e neutralizar agentes patogénicos específicos que não são apenas estranhos, mas que se encontram programados para atacar e destruir o seu hospedeiro. Não se trata, portanto, de intolerância, mas sim de imunologia política, um ato necessário e defensivo de autopreservação civilizacional.

O paradoxo subjacente à preservação de uma sociedade aberta foi identificado com singular clareza pelo filósofo Karl Popper, sob a sombra ameaçadora do fascismo emergente. Na sua obra-prima de 1945, A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, Popper formulou aquele que ficou conhecido como o “paradoxo da tolerância”. Uma sociedade que concede uma tolerância ilimitada, inclusive àqueles que são intrinsecamente intolerantes, verá inevitavelmente a sua própria capacidade de tolerância sucumbir. A lógica de Popper........

© Observador