Trump como sintoma do declinio do século americano
Há quem insista que o século XX terminou em 1989, quando um muro — mais do que concreto armado, metáfora solidificada de um mundo dividido — se desfez em pedaços diante das câmaras.
Não foi apenas Berlim que se reconfigurou naquela noite: foi toda uma ordem simbólica que ruiu, aquela que durante décadas se sustentara no antagonismo entre capitalismo e socialismo, no medo mútuo e na promessa de redenção ideológica.
Os Estados Unidos emergiram desse cenário como vencedores e, mais do que isso, como guardiões de um projecto civilizacional. Haviam intervindo decisivamente nas duas guerras mundiais – essencialmente ocidentais -, haviam transformado a vitória sobre a União Soviética numa narrativa universal.
De repente, a liberdade, a democracia, a ciência, o progresso e a globalização pareciam não apenas valores de uma nação, mas da humanidade.
Mas o tempo tem a crueldade de corroer promessas. Hoje, ao olhar para os Estados Unidos, percebe-se menos a grandiosidade de um império em expansão do que as fissuras de uma estrutura a ceder.
A ascensão de Donald Trump, outrora apenas caricatura política, tornou-se sintoma do mal-estar profundo. Como Bolsonaro no Brasil, Trump não apenas invadiu instituições democráticas na expectativa de as destruir, mas revelou o quanto elas continuam dúbias – na medida em que são capazes de dar lugar aos seus detractores.
Trump chamou de inimigos aqueles que pensavam diferente, desautorizou juízes,........
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