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França: de novo o abismo

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07.09.2025

Como pode um país lançar-se voluntariamente ao abismo? Não é tarefa fácil perceber, mas, como sabemos da História, a França não receia revoluções. Está tecnicamente falida (mas recusa-se a admiti-lo), possui uma situação social fragilizada por uma imigração que não se integra e encontra-se envolvida em conflitos geoestratégicos que podem desembocar em guerras mundiais. E, no entanto, caminha alegremente para o caos político. O problema para os outros países europeus é que esta aventura francesa vai, inevitavelmente, implicar com o seu destino. Por isso, é também legítimo perguntar: como pode um fundador de uma associação de países – que nasceu para melhorar a situação dos seus membros – colocar em risco essa força colectiva? Porque é isso mesmo que está em jogo. O que se irá passar? Sabemos que o futuro nunca deixará de nos surpreender. Mas será que do passado poderemos tirar algumas ideias que expliquem o que está em causa?

Na pátria do racionalismo, seria de esperar que a emoção se submetesse à razão. Mas no caso da França, a oportunidade para uma boa luta é algo que não se quer perder, mesmo que os objectivos não sejam claros, que não existam forças próprias consequentes ou que não sejam considerados os riscos. Como diziam os romanos quando por lá andavam a criar o seu Império nascente, os celtas que habitavam no que hoje é a França, pareciam galos a lutar, qualificativo que ainda hoje honra os herdeiros de Astérix. Esta singularidade, que alia a procura de grandeza e a combatividade, marcará para sempre as tribos que se vão suceder no centro do Continente Europeu, amarrando os seus dirigentes ao cumprimento desses desígnios. Para o bem e para o mal, em França, os líderes cuja percepção pública fica abaixo das expectativas, acabam por ser confrontados pela revolução.

O espírito de singularidade combativa da França e o seu contributo na construção da História global não precisam de apresentações. Luís XIV é um exemplo glorioso do cumprimento desse mandato. Construiu um ecossistema cujos testemunhos de grandiosidade subsistem hoje nas pedras e nas letras, um património que é objecto de admiração global. Foi um Rei que dedicou as suas energias e os recursos que não tinha (deixou o país totalmente arruinado), na afirmação política e militar da supremacia francesa, em especial contra os seus vizinhos. Conteve o Império espanhol e a nascente Inglaterra, e manteve a Alemanha dividida em milhares de unidades independentes garantindo, assim, a impotência germânica face ao poderio de Versalhes. Morreu, tranquilamente, na cama, rodeado dos seus mais dedicados admiradores. No momento da sua morte, os gauleses estariam certamente esmagados, mas ainda assim, profundamente orgulhosos.

E se o seu bisneto Luís XV ainda conseguiu manter viva a chama da glória Solar, o neto deste já não teve essa competência ou sorte. Com Luís XVI, a magia deixou de funcionar e a situação económica impediu a realização das onerosas aventuras militares para responder às afrontas dos vizinhos. E a humilhação foi tal, que os seus constituintes – tanto as elites como o povo anónimo – consideraram-no inapto para o serviço. O trambolhão da Bastilha e do Período do Terror subsequente foram tão grandes, que ainda hoje se ouvem os ecos. Este........

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