Férias meditativas
Começo a apreciar este Governo, embora não esteja a apreciar este Governo. Esta declaração esquizofrénica requer explicação, mas primeiro vou dar uma volta. Com licença:
Suponho que não há quem não seja (tirando eu e um ou outro ocasional maduro) a favor da justiça social e da diminuição das desigualdades.
Deixemos em paz a justiça social, à qual cada um dá o conteúdo que quiser, mas sempre se resumindo nisto: fulano teve ou tem vantagens materiais sobre mim, uma grande injustiça, de modo que devo ser compensado e os meus filhos também no caso de não lhes ter podido dar vantagens sobre os filhos dos outros.
Se a diminuição da desigualdade é um bem, a igualdade é o maior bem que se pode obter. Mas como não há maneira de garantir que, na imensa variabilidade das competências, circunstâncias e interesses, todos atinjam os mesmos resultados materiais, haverá que pilhar os mais bem sucedidos a benefício dos restantes.
Nos bons tempos do marxismo não havia mistério: de cada qual segundo a sua capacidade (isto é, o que produzes não é teu), a cada qual segundo as suas necessidades (isto é, as que podem ser satisfeitas). A coisa ruiu porque implicava pessoas que não existem, aquelas que se esforçam a benefício não de si mesmas e dos seus filhos, mas da comunidade. E como as que existem são as que sempre existiram, com o tempo os regimes ficaram igualitários, mas com uns cidadãos mais iguais do que os outros; e o processo da criação de riqueza travou. Ainda há quem defenda este modelo falido e, por mim, são pessoas que encaro com ternura: quando ainda tinham poder, e portanto representavam um perigo, eu era novo e agora não sou. O perigo passou mas infelizmente também os anos, e de toda a maneira vejo com uma certa simpatia pessoas com ideias disparatadas; e, se se reclamarem de superioridade moral, acho-as até cómicas.
Quer dizer que a defesa explícita da igualdade absoluta na riqueza desapareceu; mas ficou a retórica e esta tem consequências até mesmo para........
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