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Sistema de ciência, tecnologia e inovação: vai nu ou roto?

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28.09.2025

A fusão entre a FCT e a ANI desencadeou a habitual e esperada onda de protestos e receios. Sempre que se mexe na governação da ciência em Portugal, a reação é imediata: uns defendem o status quo, quase todos desconfiam das intenções. Mais do que a polémica conjuntural, o que esta fusão expõe são fragilidades estruturais conjuntas dos nossos Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) e do Sistema de Inovação (SI).

Durante décadas, lidou-se com “alguma” ligeireza com conceitos fundamentais. Confundiram-se investigação fundamental, investigação aplicada e inovação, não por desconhecimento, mas porque essa ambiguidade tem pode servir objetivos políticos ou estatísticos. A meta simbólica dos 2% do PIB em I&D, nunca foi alcançada nem se vislumbra como. Embora a maior parte do financiamento pareça ser já de natureza empresarial, tenho muitas dúvidas que as habituais classificações contabilísticas (as retidas pelas estatísticas) espelhem verdadeiramente a natureza de tal financiamento e permitam antever os seus efeitos de médio ou longo prazo. Temo ter-se criado, em muitos domínios, uma narrativa de sucesso sem o necessário confronto com a realidade.

1 – CONCEITOS

O problema começa por ser semântico, mas tem sido aproveitado politicamente. A investigação “fundamental” não se opõe às demais formas de investigação, mas ocupa o lugar inicial no que vou designar como pipeline do conhecimento, e é normalmente executada por cientistas com certo tipo de perfil e de atitudes. No outro extremo, só quando existe uma perspetiva clara de produto, de serviço ou de aplicação é que fará sentido falar de “inovação”. Entre estes dois extremos, a estatística aplica o conceito de investigação “aplicada”, o que teve como consequência confundir duas realidades muito distintas.

Quais? Por um lado, a investigação de facto “aplicada”, que já está efectivamente a ser realizada com fins (produtos, serviços, aplicações), especificações e calendários bem definidos, e a investigação meramente “aplicável”, cujos resultados podem potencialmente vir a ser utilizados no futuro em novos produtos e serviços – e esse futuro até pode ser de décadas, como aconteceu, entre muitas mais, com a electrónica ou com as teorias quânticas.

Constato-o mas não o posso criticar: os investigadores tentam, por todas as formas, entrar no espírito dos programas e agências de financiamento, e em muitos casos consideram necessário dotar as suas propostas de algum tipo de utilidade potencial, utilizando os termos de “aplicado” ou de “inovação” quando tal se lhes afigure mais vantajoso, já que “aplicável” não faz parte do léxico oficial.

O resultado é um discurso onde a palavra “inovação” vale tanto que já significa quase nada. Por outro lado, muita investigação aplicada não é ainda aplicada – é, muito simplesmente, aplicável. Os termos estão esvaziados, criando ilusões sobre a capacidade do país em gerar valor económico com base no seu investimento em I&D.

Esta ambiguidade é particularmente grave num país pequeno. Pela sua dimensão, Portugal não consegue sustentar múltiplos pipelines nem múltiplas cadeias de valor sem uma estratégia e escolhas minimamente consensuais. Tem-se optado pela dispersão. Produz-se conhecimento científico de qualidade, sim, mas sem a devida articulação temporal, sem mecanismos para ligar esse conhecimento a setores produtivos. E assim continuará a ser enquanto não se distinguir o meramente “aplicável” do que é efetivamente já estará em condições de ser “aplicado”.

É absolutamente necessário articular, relacionar ou sincronizar pipelines de conhecimento e cadeias de valor, com coragem de médio e longo prazo, atentas as forças e as fraquezas das comunidades científicas e empresariais nacionais e as situações de concorrência internacional.

A diferença entre as lógicas empresarial e académica é verdadeiramente fulcral. As empresas precisam certamente de tecnologias disruptivas [caso as consigam criar, poderão esperar alguns (poucos) anos de liderança sem concorrência] e precisam permanentemente de tecnologias recorrentes, de soluções que possam ser usadas transversalmente e amortizadas em múltiplos produtos. Precisam de........

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