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 O Dr. Azeredo e o Direito Internacional das conveniências

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07.08.2025

Nos corredores da diplomacia e nos media portugueses, há uma ideia que se repete como mantra: o reconhecimento de um Estado palestiniano é um imperativo moral e jurídico. O passe de mágica que tudo vai resolver.

Num debate televisivo em que participei, o Dr. Azeredo Lopes encerrou a conversa sobre o reconhecimento do Estado da Palestina com uma dissertação doutoral sobre a Convenção de Montevideu, de 1933. Fê-lo com o ar severo de quem carrega a verdade no bolso do casaco e, como foi o último a falar, não houve contraditório. O que deu muito jeito. Paciência. Aqui vai agora, porque a verdade resiste mal à ausência de confronto. E a argumentação curvilínea, sobretudo quando embalada em nuances e léxicos que a maioria das pessoas não entende, tem sempre aquele aroma a outra coisa.

O Dr. Azeredo Lopes é especialista em Direito Internacional (DI), o que, num país onde o estatuto académico substitui muitas vezes o pensamento, significa que pode dizer o que bem entender, e ser aplaudido como se estivesse a recitar Salmos. Salvador Sobral disse isso mesmo, a propósito de outro tipo de emanações.

É por isso que se pode impunemente invocar Montevideu para justificar o reconhecimento de um estado que não existe.

Quando um jurista respeitado como o Dr. Azeredo Lopes bate na mesa a carta de Montevideu, como se fosse o ás de trunfo, poucos se atrevem a contradizê-lo. O discurso soa técnico, imparcial e credível. Mas, como bem sabemos, o tom é muitas vezes o melhor argumento de quem fala com suposta autoridade, para o aplauso dos convertidos.

É precisamente essa autoridade e esse aplauso que urge questionar. Porque o que está em causa não é um debate técnico sobre reconhecimento estatal. É, sobretudo, uma tentativa de isolar, vilipendiar e castigar Israel. E, para isso, vale tudo. Inclusive torturar normas jurídicas, ignorar factos históricos e lançar insinuações morais embrulhadas em léxicos pseudolegais.

A Convenção de Montevideu, um mero acordo regional, lista quatro critérios formais para a existência de um Estado: população permanente, território definido, governo efectivo e capacidade de relações internacionais.

A Palestina não cumpre integralmente esses requisitos. Divide-se entre dois governos rivais, um deles uma organização terrorista jihadista, o outro um partido que se eterniza no poder, também sem eleições, e que nem sequer controla a parte do território onde está instalado. Tudo isto, diga-se, não por culpa de Israel ou vontade divina, mas por falta de vontade e incapacidade das próprias lideranças palestinianas.

Esta “Palestina” não tem fronteiras definidas, porque nunca existiu. E o seu reconhecimento internacional, por mais amplo que seja, não cria soberania ex nihilo.

Invocar Montevideu sem reconhecer estas realidades é liturgia jurídica e prestidigitação académica. Pareceu-me também que o Dr. Azeredo considerou que o reconhecimento do “Estado da Palestina” seria mais do que um acto político, dando a entender que é quase um automatismo jurídico. Ora a Convenção não obriga ninguém a reconhecer ninguém. O reconhecimento é sempre político. Ponto. Se fosse automático, Taiwan e Kosovo estariam na ONU. E o Saara Ocidental seria independente. Mas como o mundo funciona com vetos e interesses, só existe Estado onde há poder suficiente para o fazer valer.

A meio da sua intervenção, o Dr. Azeredo Lopes fez o que tantos outros fazem quando querem parecer imparciais, mas não conseguem conter o impulso de agradar à bancada dos virtuosos: atirou para o ar a palavra “genocídio”. Sem acusar directamente. Com aquele tom nonchalant de quem insinua o suficiente para que o trabalho sujo seja feito pelo espectador. “Desde que Israel não cometa genocídio”, disse, como quem deixa um fósforo aceso no meio de uma mata seca. E continuou, tranquilo. Não é preciso mais nada. A palavra fica a pairar. E com ela, a ideia de que Israel poderá, quem sabe, estar a praticar um dos crimes mais........

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