menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

A escravatura não tem cor

8 13
01.10.2025

Se não tivermos como objectivo o absoluto rigor, então há acontecimentos passados que se transmitem e conhecem melhor, mais profunda e intensamente, através da literatura — e tão bem ou ainda melhor através do teatro ou do cinema — do que por intermédio de um livro de História. Porquê? Sobretudo porque, ao contrário do que sucede com a História, na literatura — e no teatro e no cinema — podemos apelar às emoções. O bom romance histórico, tal como a peça teatral ou o grande filme, transmite ao leitor o sentimento, a raiva, o amor, a crueldade, o medo, a alegria, que estão ausentes dos factos narrados numa obra historiográfica.

Em 1987 a escritora afro-americana Toni Morrison publicou Beloved, um grande romance histórico sobre a condição dos negros no Kentucky e no Ohio de meados do século XIX. O romance viria a vencer o Pulitzer, no ano seguinte, e terá contribuído substancialmente para justificar o Nobel da Literatura que Toni Morrison ganhou em 1993. Como seria inevitável pelos espaço geográfico e período cronológico em que a narrativa decorre, a escravatura está muito presente em Beloved e quem ler o livro ficará com uma ideia muito realista dos horrores físicos e psicológicos vividos e sentidos pelo escravo a quem puseram um freio na boca, como forma de punição; ou por Sethe, a escrava fugitiva, que mataria uma filha bebé para que ela não fosse recapturada; ou pela mãe de Sethe que, na travessia do Atlântico, foi muitas vezes usada pela tripulação do navio negreiro e que, já no Kentucky, acabaria por ser enforcada; ou, ainda, pela sogra de Sethe que nem tivera tempo para se despedir das suas duas filhas, que ainda tinham dentes de leite quando foram vendidas.

Na África subsariana teria sido muito diferente? Os detalhes, claro, difeririam, por vezes de forma acentuada, mas o desenlace podia ser idêntico, até mesmo para os escravos geralmente bem tratados, e........

© Observador