Gronelândia, a geopolítica do degelo
Pelas mudanças no clima, a Gronelândia, a maior ilha do planeta, vê o seu clima árctico inóspito transformar-se gradualmente, com o degelo de vastos glaciares. Esta transformação, permite não só atrair mais turistas, fomentando uma lucrativa actividade, à semelhança do que já acontece na Islândia, bem como um acesso mais fácil às reservas de combustíveis fósseis e outras matérias-primas que existem no subsolo da ilha e ao largo da sua costa, e que incluem petróleo, gás natural, carvão e urânio.
Desde 986 d.C. povos europeus como os islandeses e os noruegueses estabeleceram colónias na costa sudoeste da ilha, aproveitando um ciclo climático mais favorável, em que as condições atmosféricas, com o crescimento de herbáceas e até de árvores, permitiam a pastorícia. No século XIV ou XV as colónias europeias pereceram, com um súbito arrefecimento climático, ficando apenas as comunidades nativas.
Em 1721 uma expedição liderada por Hans Egede iniciou um novo ciclo de colonização da ilha. A união das coroas escandinavas, ocorrida no século XIII, fazia com que a Dinamarca tivesse o controlo da ilha, que se manteve mesmo após o fim dessa união em 1814. À data a Dinamarca manteve a soberania sobre a Islândia, a Gronelândia e as Ilhas Feroé.
Hoje em dia, com uma população de cerca de cinquenta e seis mil habitantes, a maioria de inuítes, também conhecidos como esquimós, um povo durante muito tempo semi-nómada nas zonas geladas do Árctico, viajando pelo que é hoje a Gronelândia, o Norte do Canadá e o Alaska, a sua densidade populacional é muito baixa.
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Em 2008 houve uma votação favorável a uma maior autonomia, reforçando a já existente, e mais poderes foram transferidos do governo dinamarquês para o governo local da Gronelândia, num acordo mais abrangente para a autonomia que entrou em vigor em 2009 e que é visto por muitos como mais um passo em direcção à independência. Apenas os negócios estrangeiros e a política de defesa militar ficaram de fora do acordo, com as forças policiais e a defesa costeira a passarem para a alçada do governo gronelandês. Foi igualmente aprovada a transferência de um subsídio anual de 3,4 milhares de milhões de coroas dinamarquesas, ou 11.300 USD por ano, por habitante. A economia local é, portanto, ainda largamente deficitária, subsidiada e pouco competitiva, com uma forte componente do sector público. A Gronelândia, que enquanto território autónomo da Dinamarca entrou na CEE em 1973, abandonou a comunidade em 1985, devido a uma acesa disputa sobre direitos pesqueiros, mas recebe da UE uma verba no valor de 280 milhões de coroas dinamarquesas por ano.
O que explica então o interesse e o empenho do governo dinamarquês? O governo da Gronelândia não tem controlo sobre a sua Defesa ou os Negócios Estrangeiros. A defesa do território é da responsabilidade da Dinamarca. A Dinamarca e os Estados Unidos têm bases militares no território, incluindo a famosa Base Espacial de Pituffik, durante muitos anos conhecida como Base Aérea de Thule, uma base que foi muito importante no contexto da Guerra Fria, com o estacionamento de bombardeiros estratégicos equipados com armas nucleares, e de aviões de reconhecimento para missões de espionagem sobre a URSS. Actualmente a base está sob controlo da Força Espacial dos EUA, centrando as suas actividades na monitorização de eventuais lançamentos de ICBM e possíveis medidas de defesa contra esse tipo de mísseis.
A economia da Gronelândia tem sido incipiente, altamente dependente da pesca, com a exportação de peixe e mariscos. O território também vende licenças de pesca a estrangeiros, como fonte de rendimentos. Várias minas importantes de chumbo e zinco foram fechadas nas últimas décadas, face a preocupações ambientais das comunidades locais. Não obstante, para o futuro, a Gronelândia parece poder contar com ricos depósitos minerais e petróleo, embora com um custo ambiental, que talvez os gronelandeses não estejam dispostos a pagar. Uma das mais controversas actividades parece ser a mineração de rubis. A Gronelândia, ao que tudo indica, tem depósitos substanciais de rubis e safiras, que estão a ser muito procuradas devido ao embargo de alguns países à Birmânia, o maior produtor mundial destas pedras. A empresa canadiana que está a trabalhar na prospecção das pedras, conseguiu das autoridades locais a proibição da prospecção em pequena escala por parte dos residentes locais, o que, compreensivelmente, enfureceu os cidadãos.
A descoberta de depósitos de urânio, de metais preciosos e de terras raras, veio fazer recrudescer o interesse das grandes potências sobre a região, como veremos adiante.
A Gronelândia ocupa uma posição geopolítica privilegiada no Árctico, e no Atlântico Norte, sendo parte do triângulo estratégico Inglaterra-Islândia/Faroés-Gronelândia. Embora com o fim da Guerra Fria o Atlântico Norte tenha vindo a perder importância para os EUA, o Reino Unido tem estado cada vez mais activo na........
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