O marxismo e o poder
1. Nos dias de hoje o marxismo que resta é estruturalista. Agarrou na metodologia (sistémica) que lhe dá mais jeito para esconder a incapacidade do materialismo para perceber a sociedade actual. O seu prócere foi N. Poulantzas que ainda impressiona alguns, sobretudo portugueses, armados em intelectuais.
O que Poulantzas percebeu foi o óbvio. Percebeu que o Estado democrático liberal próprio dos sistemas capitalistas mais avançados de hoje não é um bloco homogéneo pois que nele se defrontam interesses muito variados e até opostos, desde os das várias facções do capital (industrial, financeiro, agrário), às da burguesia independente (gestores, proprietários, empresários, profissionais liberais, etc…), aos da nova pequena burguesia, cada vez mais significativa (empregados de escritório, docentes, técnicos, funcionários públicos, trabalhadores qualificados, etc…) e aos da própria classe operária através da sua intervenção social e política. O grande capital financeiro, admitamos sem conceder, quer menos intervenção, mas o industrial e o agrário não, a burguesia independente e a pequena burguesia querem sobretudo menos impostos, a classe operária quer mais direitos laborais e melhores salários e mais serviços colectivos acessíveis e a funcionar bem.
Poulantzas percebeu que o Estado tem de acudir a esta vasta contenda de interesses. E que para isso necessita de uma certa autonomia relativamente aos interesses em presença. Pudera. Qualquer aluno do primeiro ano de direito sabe disso. Chegou mesmo a perceber que nestas condições conflituosas, o Estado tem forçosamente de avançar sobre a sociedade civil intervindo cada vez mais e que este avanço pode gerar atritos (agora ditos selvaticamente «disrupções») que agravam por vezes as questões em vez de as resolver. O Estado pode fazer parte do problema e não apenas da solução, como, aliás, os liberais sempre disseram.
A estratégia está em disseminar de tal modo o papel do Estado nas sociedades capitalistas de modo a afastá-lo da escassa noção marxista de que o Estado é o conselho de administração da grande burguesia. Consegue assim apresentar uma noção de Estado como centro de uma estratégia de manutenção do poder. Só que esta noção é muito antiga e não tem nada a ver com a de Marx. Poulantzas percebeu perfeitamente que a mecânica noção de Estado de Marx e Engels não........
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