Entre pontos e fragmentos: metamorfose dos agentes de IA
“Quem conta um conto, acrescenta um ponto.” O provérbio diz-nos, com clareza, que contar pode ser alterar. Não por vocação de engano, mas porque a linguagem, instrumento complexo, nunca encaixa sem folga. Quando os narradores deixam de ser vizinhas de janela e passam a ser agentes de inteligência artificial (rápidos, incansáveis), essa folga toma forma de método. É aqui que se propõe a Síndrome de Teseu Digital (STD): como o navio restaurado tábua a tábua até ninguém saber se era o mesmo, também a mensagem que atravessa uma cadeia de agentes pode ir sendo polida, recortada, “melhorada”, até conservar a silhueta e perder o âmago.
Diferencia-se esta síndrome da exuberante alucinação dos Large Language Model (LLMs) que tanto entusiasma os debates e que parece estar a chegar ao seu limite; questão que será tratada futuramente. Alucinar é inventar um facto para não deixar a pergunta órfã; é o erro vistoso, fácil de denunciar. A STD opera em modo sussurro. Troca um sinónimo, reordena uma frase, atenua uma nuance, acrescenta um contexto “útil” que não estava no guião. Cada microgesto parece inocente; o conjunto produz uma metamorfose. Quando a mensagem chega ao destino, está intacta, mas pode refletir outra paisagem.
Sintetizando num só gesto: os Agentes de Inteligência Artificial (AIA) trazem ganhos claros em vários domínios (saúde, educação, cultura, economia, etc.), e ignorá-los seria insultar a inteligência. Eles ampliam a nossa capacidade de trabalhar e decidir com uma disciplina que dispensaria relógios de ponto. Não pedem férias, não suspiram diante de folhas de cálculo, não se distraem com notificações. Varrem grandes quantidades de dados, organizam informação dispersa, redigem relatórios em minutos, sugerem hipóteses. Um microempresário pode dispor de uma “equipa” constante; um investigador isolado encontra um assistente que não dorme; um cidadão perdido na burocracia obtém um mordomo digital que o guia pelos labirintos administrativos. Em........
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