País de botões de punho
Inverno. Viajo de carro debaixo da chuva torrencial. Vou pensando que não há nada que deteste tanto quanto os estranhos imaginarem que me conhecem. Parece-me má educação. Uma senhora a quem conto que o meu avô emendava os meus poemas, quando eu era pequena, imagina que eu dava erros porque não me sabia expressar em português, por ser uma criança africana. Não a corrijo. Ela está tão contente com a sua conclusão e é tão gentil, que apenas sorrio.
Sigo no comboio em direcção à margem Sul, onze da manhã. A carruagem vai cheia de senhoras negras derreadas. O dia mal começou e elas já regressam dos escritórios, supermercados, centros comerciais, parques de estacionamento, que limparam em Lisboa. Do outro lado do vidro, a paisagem é densa até ao Fogueteiro, e depois torna-se duramente campestre. Elas vêm com a cabeça encostada à janela, dormitam. Algumas têm o cabelo amarrado num lenço ou numa touca, significando que a viagem até Lisboa é provisória, que não contam........
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