O Ultimatum ou a «britânica bofetada»
A «velha aliança» anglo-lusa, tão velha quanto Portugal, não conta apenas uma história de tratados de comércio, auxílio e amizade. Ao longo da história de Portugal, alguns episódios geraram desavenças e, um em particular, sentimentos de ódio com reflexo na construção de uma imagem negativa e estereotipada dos ingleses e da Inglaterra e a sua fixação na memória coletiva: referimo-nos ao Ultimatum de 1890. Por Ultimatum entende-se o ofício que o enviado britânico em Portugal, George Glynn Petre, instruído pelo ministro dos Negócios Estrangeiros Lord Salisbury, entregou ao ministro Barros Gomes no dia 11 de janeiro de 1890, pelo qual se exigia que Portugal retirasse as suas forças militares dos territórios entre Angola e Moçambique. Também conhecido como «a catástrofe» ou a «britânica bofetada» (expressão de Joel Serrão, em «Da República portuguesa e de Fernando Pessoa nela»), o momento em que Portugal se viu forçado a renunciar ao sonho africano e a prostrar-se à vontade da nação com quem mantinha a mais antiga aliança diplomática e comercial viria a ser simbolicamente interpretado como uma etapa do mito do eterno retorno, em que ao cataclismo representado pelo ultimato britânico seguir-se-ia o aguardado momento da regeneração, que para alguns se revestiria na forma republicana.
O “mapa cor-de-rosa”, representando as pretensões portuguesas na África Austral, apresentadas à Conferência de Berlim. Suscitou forte reação da Inglaterra, que acabaria por emitir, em 1890, o Ultimato contra essas reivindicações de Portugal.
«Contra os bretões, marchar, marchar»
O sentimento de humilhação gerado teve um efeito incendiário entre a opinião pública, revoltada contra o ancestral aliado de Portugal, mas também contra o governo por ter acedido ao ultimato. Portugal acordava de forma violenta para assistir ao desmoronar do sonho imperial que havia sido projetado em África e que representava as esperanças de regeneração pela restauração da sua antiga glória. Alguns escritores coevos dão-nos, em breves palavras, uma ideia muito precisa do abalo provocado pelo ultimato: para Basílio Teles, o ofício britânico foi «o acontecimento mais considerável que, desde as invasões napoleónicas, abalou a sociedade portuguesa» (Do Ultimatum ao 31 de Janeiro, 1905); para Eça de Queirós, foi origem da maior crise, «incontestavelmente a mais severa, talvez a mais decisiva que esta geração tem afrontado» («Ultimato», Cartas inéditas de Fradique Mendes, 1928); para Antero de Quental, foi o «insulto imprevisto», apelando o autor para o «ato de contrição da consciência nacional» («Expiação», 1890).
O texto do ultimato, dado a conhecer à população, teve o efeito de uma hecatombe nacional, fomentada pela imprensa e pelos partidos de oposição ao Governo, como se de um episódio apocalíptico se tratasse. O ódio contra a Inglaterra instalou-se de imediato: e irrompeu sob variadas formas. O jornal O Dia, na sua edição de 16 de janeiro de 1890, anunciava e instigava: «Começam já os exemplos de repulsa por esta única via de mágoa para a canalha britânica, por banda d’alguns comerciantes de Lisboa e Porto, cujo nome todos devemos arquivar, como de patriotas denodados.........
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