O tecnocrata que dançava
A saída de Mário Centeno do Banco de Portugal não foi uma mera partida, mas um ato de desaparecimento, deixando para trás um rasto de questões e um legado envolto em ambiguidade. Como um espectro que permanece à beira da perceção, a sua presença — e agora a sua ausência — assombra a instituição que outrora liderou. Durante anos, Centeno foi elogiado como o tecnocrata por excelência, o “Ronaldo das Finanças” que domou os défices com uma mão hábil e um comportamento calmo. No entanto, por baixo da superfície desta imagem cuidadosamente curada, jazia uma verdade muito mais complexa: Centeno nunca foi o árbitro neutro que afirmava ser. Era um mestre na arte portuguesa de parecer imparcial enquanto manobrava com precisão política. E é esta ilusão, mais do que qualquer contrato ou loucura arquitetónica, que erodiu as fundações do seu legado.
As primeiras fissuras no verniz da neutralidade apareceram em 2020, quando Centeno saltou do Ministério das Finanças para o cargo de governador do Banco de Portugal. O movimento foi orquestrado com a graça de um ballet, mas cheirava a coreografia política. A sua nomeação, facilitada por João Leão, foi uma aula magna de contorcionismo institucional, dobrando as regras apenas o suficiente para evitar um escândalo declarado. A Transparência Internacional denunciou, criticando o conflito de interesses “inadmissível”. A oposição levantou a sua voz em protesto. Bruxelas, sempre o observador silencioso, engoliu o seu desconforto. E o Supremo........
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