Entre o invisível e o intolerável: os sem-abrigo nas cidades
Vivemos um tempo em que as grandes cidades portuguesas procuram afirmar-se como polos de modernidade, turismo e investimento, enquanto exibem imagens de inovação e prosperidade. Contudo, por detrás desta fachada luminosa esconde-se uma realidade que poucos querem ver e que muitos preferem ignorar: a dos homens e mulheres que habitam a rua. Invisíveis para a maioria, mas presentes em cada esquina, cada túnel, cada banco de jardim, os sem-abrigo são o retrato mais cru da exclusão social e, ao mesmo tempo, o reflexo das falhas coletivas do nosso sistema. Em Lisboa, no Porto, no Funchal, em Coimbra, a paisagem urbana é hoje pontuada por barracas improvisadas, colchões gastos, mantas estendidas no asfalto, rostos cansados e corpos frágeis expostos à intempérie. A rua tornou se morada para quem perdeu quase tudo: trabalho, saúde, família, esperança.
Chegar à rua raramente é fruto de uma única causa. É o resultado de um processo lento, muitas vezes silencioso, que se constrói com sucessivas perdas e fragilidades. O desemprego estrutural, que ainda persiste em várias camadas da sociedade portuguesa, destrói rendimentos e, com eles, a segurança de um teto. As rendas nas zonas urbanas dispararam nos últimos anos, alimentadas por fenómenos como o turismo massificado e o alojamento local, tornando incomportável para muitos o simples ato de habitar a cidade em que nasceram. À fragilidade económica juntam-se ruturas familiares, a doença mental sem acompanhamento, as dependências químicas, o álcool, as drogas sintéticas que invadiram o mercado ilícito e destroem vidas com rapidez silenciosa. A depressão, as perturbações de ansiedade e até quadros psicóticos, muitas........
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