menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

A Nudez do Rosto 

8 1
15.11.2025

Com a chamada “lei da burqa” na ordem do dia, era inevitável que mais cedo ou mais tarde a politização do rosto entrasse na agenda político-partidária e, a cavalo nesta, na agenda mediática. Devo, por isso, começar por advertir que as palavras que se seguem constituem uma pequena e modesta reflexão sobre o uso do véu no islão e que não se pretende com elas alimentar uma desnecessária e estúpida “guerra cultural” ou entrincheirar na posição de inimigo quem não pensa do mesmo modo.

Sabendo nós que a actividade mímica do rosto humano consiste tanto em revelar e mostrar como em ocultar e enganar, não se trata aqui de “salvar a face” nem de “perder a face” na discussão em curso. Basta, por isso, que declaremos à entrada que todo o rosto, qualquer rosto, só se torna verdadeiramente rosto quando entra em contacto com os rostos de terceiros, quando olha para eles ou é por eles olhado. Na verdade, o véu muçulmano agride a nudez do rosto feminino de duas maneiras: em primeiro lugar, porque, sob a alegação de uma protecção da mulher do assédio do homem, ele trava e obstaculiza o olhar masculino livremente dirigido à face feminina; em segundo lugar, porque o livre olhar do rosto feminino, ocultado por detrás do véu, fica amputado e mutilado à nascença. Numa certa medida, podemos, aliás, afirmar que há no islão mais radical uma profanação sistemática do rosto da mulher.

Isto dito, vamos directos ao nosso assunto: a nudez do rosto. Os véus conhecidos como burqa, niqab, chador, hijab, quando observados numa escala ascendente de tolerância cristã, consoante esta vai do menos tolerável para o mais tolerável, isto é, de uma maior para uma menor repressão sexual da mulher, revelam-se quanto a nós propícios à análise na justa medida em que servem – qual tabela medieval cristã de gravidade da mentira… – para ilustrar o atraso cívico e político de uma parte considerável dos muçulmanos, com a sua manifesta e atávica incapacidade de se secularizarem e de aceitarem a igualdade de homem e mulher.

É aqui particularmente significativo que em nenhuma das quatro modéstias femininas atrás mencionadas, exigidas pelos maometanos à mulher, esta tenha direito ao pescoço, isto é, direito a mostrar o pescoço em público. Como veremos adiante, é desde logo importante perceber que na tradição cristã o pescoço é o elemento de ligação do corpo à cabeça e que, precisamente nessa condição, o pescoço é a ponte de acesso ao rosto visível de que cada crânio individual é o portador.

Para começar, reparemos em como o rosto salta à nossa vista a partir de um crânio, a que metonimicamente damos o nome de cabeça. Aliás, a cabeça, sede física do rosto e dos seus elementos, fronte e faces, com olhos e boca, nariz e orelhas, apresenta-se como uma espécie de península por relação ao corpo. Teologicamente falando, mas também politicamente, sem uma cabeça visível e um rosto integralmente nu não chega sequer a haver um corpo digno desse nome! Esta é a mais genuína tradição do cristianismo, para além de todas as elucubrações teológicas que se possam tecer em torno do “conhecimento” da nudez no Éden pelo casal Adão e Eva. Numa palavra, se no cristianismo a nudez envergonhada do corpo deve ser coberta, a nudez sem vergonha do rosto deve permanecer descoberta. Nenhum corpo nu, por mais belo que este seja, pode eclipsar ou tornar invisível o........

© Observador