O fim da atual ordem económica internacional
O dia 2 de abril de 2025 vai ficar para a história como a data em que o Presidente dos EUA, usando o poder extraordinário que foi concedido pelo Congresso[1], terminou a era neoliberal iniciada por Nixon-Reagan de tendência para o comércio livre internacional, e abalou o Mundo com um nível de tarifas e protecionismo que só remonta a 1910. Era não só uma forte machadada na estabilidade económica internacional e a ordem internacional criada pelo GATT-WTO, como o eventual início de uma guerra mundial comercial, com todas as consequências no risco e incerteza nas relações comerciais e políticas internacionais. O eufemismo utilizado por Trump de “Liberation Day” iria ser seguido por uma forte queda nas bolsas mundiais: o índice Dow Jones iria cair 7% até ao dia 7, com quebras ainda maiores nos setores mais expostos à subida das tarifas, a maior queda das ações desde o início do Covid. Se estes eventos irão acabar numa guerra comercial e numa recessão do mundo industrializado depende do aumento e duração deste nível de tarifas e da retaliação dos países afetados. Alguns historiadores chegam a afirmar que as guerras comerciais por vezes são seguidas por guerras militares, com consequências gravíssimas.
Neste ensaio vamos começar por descrever a moderna teoria das tarifas, ensinada nas Universidades pelo menos desde os anos 1970’s, que estabeleceu a primazia do comércio livre para o bem-estar mundial, os benefícios do comércio externo versus a autarcia, provando que (i) a redução multilateral de tarifas e barreiras aduaneiras promove o crescimento das nações, (ii) o papel das tarifas está reduzido à proteção da “indústria nascente” e de forma temporária, e (iii) os regimes orientados para as exportações como os asiáticos estão na base da performance espetacular de países desde o Japão à China, em contraste com os regimes protecionistas da América Latina.
Seguidamente vamos rever os argumentos doutrinários do chamado Trumpismo que estão por trás da nova ordem internacional. Trump afirma que o atual regime tem levado à subsidiação pelos EUA da defesa dos países da sua orla, à abertura dos seus mercados para o escoamento de sobre-produção do Resto do Mundo (e, em particular da China), e à sobrevalorização do dólar. A grande preocupação de Trump é que as políticas das duas últimas décadas levaram à desindustrialização dos EUA e ao risco associados à segurança da falta de produção de produtos básicos (como ferro e aço, chips e antibióticos).
Num próximo texto iremos estudar as consequências de uma possível guerra comercial, iniciada com este nível de tarifas aplicadas. Desde já é de acentuar que o nível médio das tarifas aplicadas por Trump no dia 2 de abril é de 22 a 24%, o que significa uma subida de cerca de 10 vezes mais em relação ao nível médio pré-Trump. E que coloca este nível de proteção à taxa média registada em 1910! Mesmo acima do nível observado nos anos 1930 durante a guerra comercial desencadeada a seguir à Grande Depressão.
A teoria das tarifas ensinada nos manuais universitários prova que as tarifas impostas por Trump: (i) aumentam os preços para os consumidores americanos, (ii) fazem subir os lucros esperados pelos produtores americanos tanto do bem taxado como dos substitutos, e podem atrair IDE para os EUA, mas se os carros da Ford ou GM são produzidos no México ou Canadá também vão ser penalizados, (iii) fazem reduzir as exportações dos parceiros comerciais dos produtos afetados pelas tarifas, reduzindo a produção e emprego no país exportador, tanto mais quanto este não consegue reorientar a sua produção para outros mercados, (iv) aumentam as receitas aduaneiras do país no montante aproximado ao aumento das tarifas vezes as importações pós-tarifas, e (v) reduzem o bem-estar social ao aumentarem os custos para os consumidores e reorientarem os recursos para setores em que o país tem menos vantagens comparativas.
E, numa análise de equilíbrio geral, a teoria tradicional do comércio internacional diz que um pequeno país, categoria que abrange a esmagadora maioria de países, deve ter tarifas nulas. De facto, um país que não consegue influenciar o preço internacional do produto sujeito a tarifa, são sobretudo os consumidores desse país os mais afetados, e perde rendimento, emprego e bem-estar. Só se for um grande país que consegue melhorar as razões de troca a seu favor, ou seja, em que são os exportadores para esse país que baixam os preços do produto afetado, o país que impõe as tarifas pode beneficiar até certo ponto, e aumentar o seu rendimento. Mas isto só acontece até um certo nível de tarifas. E há uma hipótese fundamental: os outros países não retaliam.
Mas no mundo atual de cadeias de produção espalhadas por vários países e de níveis de globalização record, a análise anterior é muito simplista: o impacto sobre os preços dos produtos finais depende de onde a tarifa atua dentro da cadeia de produção. Suponhamos que o governo impõe uma tarifa sobre uma matéria-prima ou produto intermédio. A tarifa aumenta o preço deste, e consequentemente os custos de produção de todas as indústrias que utilizam aquela matéria-prima ou produto intermédio, reduzindo os seus lucros e fazendo subir os preços finais dos produtos finais. De facto, o que estamos a fazer é aumentar a proteção da indústria de produto intermédio e a desproteger as indústrias de todos os produtos finais, que em valor são muito mais elevados que o produto intermédio.
Mas foi isto que Trump fez, ao colocar tarifas de 25% sobre o alumínio e aço. A ideia é simplista: estes produtos são essenciais na produção de armamentos e nas outras indústrias. Mas, ao mesmo tempo estamos a provocar a desindustrialização, ao fazer subir os custos de todas as indústrias a jusante que utilizam alumínio e aço. Esta é a teoria da proteção efetiva (de Bela Balassa) dos anos 1960s, mas que pelos vistos é desconhecida pela equipe de Trump.
Deve a UE retaliar a um aumento das tarifas pelos EUA? Ao retaliar a UE está a reduzir os lucros das empresas exportadoras americanas. Mas a UE incorre os mesmos custos que a economia americana. Ou seja, os consumidores europeus irão pagar um preço mais elevado sobre os produtos importados, os produtores beneficiam e reduz-se o bem-estar da UE. No entanto, os dois efeitos conjugados levam a uma redução ainda maior do bem-estar mundial, à medida que as tarifas (e barreiras comerciais) aumentam e fazem cair o nível do comércio internacional.
Se a UE não retaliar o PIB mundial não cai tanto, e prevalecem os efeitos descritos atrás. Porém, o efeito das tarifas retaliatórias europeias sobre a economia americana infringe prejuízos sobre os exportadores americanos, que antes beneficiavam das tarifas americanas, cancelando os benefícios para os produtores. Assim, haverá maior pressão políticas da população americana (a que se soma a europeia) para haver uma redução das tarifas de ambos........
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