Quando as máquinas se calam. O desafio da autonomia na era digital
Vivemos numa época em que os nossos sentidos foram transferidos para sensores, as nossas decisões filtradas por algoritmos e a nossa memória armazenada em servidores distantes. Mas e se, de repente, tudo se calasse? Em julho de 2024, um erro numa atualização do software de segurança CrowdStrike nos sistemas Windows paralisou milhões de dispositivos, imobilizando aviões, encerrando bancos e deixando hospitais à mercê do improviso. Não se tratou de um mero colapso técnico, mas antes de um vislumbre da nossa fragilidade coletiva. No final do dia, o que sobra de nós sem tecnologia? Será que conseguimos orientar-nos sem GPS, refletir sem motores de busca, decidir sem notificações?
Colapsos como o descrito revelam, não apenas interrupções momentâneas, mas a erosão silenciosa do “saber sem máquinas”, aquele conhecimento essencial construído na experiência direta e refinado pela prática paciente. Antes da era digital, o sapateiro sentia o couro, pesava a ferramenta, dominava a força de cada ponto com um saber vivo e encarnado que nenhum código consegue verdadeiramente copiar.
Simultaneamente, a tecnologia democratizou o conhecimento, tendo tornado o que antes estava restrito às bibliotecas ou à relação mestre-aprendiz, disponível para qualquer pessoa. O jovem aspirante a sapateiro passou a poder aprender técnicas de mestres italianos online e conectar o seu artesanato a clientes globais. No entanto, esta acessibilidade não substitui a verdadeira experiência humana. Como escreveu o filósofo Byung-Chul Han, “a sociedade digital produz uma hipervisibilidade que nos cega para o invisível”. E de facto, a inteligência artificial vive de dados para nos imitar, mas nunca toca o material nem capta a alma do nosso saber ancestral, aquele saber dito invisível, transmitido pelas entrelinhas da história. O pescador que usa o telemóvel, mas lê os ventos e as nuvens, sabe a diferença: a informação é apenas o início, a sabedoria é o que fica.
E é precisamente........
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