José Gil. Pensar a vida, viver o corpo
«A vocação da palavra é unir.»
J. Gil
Há frases tutelares, palavras nucleares que ao longo da viagem brilham como esses pontos luminosos de Pound. Falamos de um livro: A Última Lição de José Gil (Contraponto), de Marta Pais de Oliveira. Uma dessas palavras, logo no capítulo inicial, ‘Espaço’, quando José Gil mergulha na evocação da sua infância em Moçambique (nasceu em Muecate, em 1939) é a palavra «exílio». Um exílio concreto porque nascido em Moçambique, mas filho de colonizadores, José Gil cedo se encontra nesse perímetro da heterodoxia que confina com a marginalidade (ou com o estar à-margem), brincando, quando criança, com os negros e sentido pertencer a um espaço forma da norma. O espaço determina uma personalidade? O lugar onde nascemos é já uma marca do lugar que somos? Em José Gil, sim. Independentemente das raízes familiares no Fundão, Gil começa por vincar uma ideia outra: a de pertencer a um espaço – África, o espaço das grandes extensões – que confina com outro espaço, o da maternidade.
Uma frase de Eugénio de Andrade poderia encimar as primeiras páginas deste livro: «Poesia: Terra de minha mãe», porque Muecate, ou a memória de Quelimane é a memória da mãe, mulher que José Gil diz ter sido uma fazedora de cultura, essa mesma que José Gil recebe como primeira herança. Fazer a partir do zero, porque numa vida não há respostas que possam ser dadas por outros (Deleuze, um dos seus mestres, isso mesmo irá confirmar quando deixar em aberto o espaço das perguntas – será isto nos anos 70). Frase tutelar: «Eu tinha visões». José Gil, como Rimbaud antes dele, um branco em África, as brincadeiras com serpentes, o fascínio dos rituais primitivos, tudo se encaminhando para futuros percursos em que é justamente a visão, ou o ter uma visão, o que acaba por funcionar como revelação. Revelação do ser a si-mesmo. E, sobremaneira, a revelação do corpo; do corpo vivo e não-codificado experienciado em Quelimane e que vem até hoje como corpo-pensamento feito energia vital, criação: «Nós é que criamos o sentido da vida porque, de certa maneira, nos deixámos desprender daquilo que a vida é». (p. 187).
Na verdade, em A Última Lição, há teses que nos vão sendo subtilmente lançadas pelo autor de Portugal Hoje – O Medo de Existir (2005). É uma trama complexa o pensamento de José Gil, precisamente porque, apesar de certas teses de vida, a lição é, nele, uma conversa inacabada e, em bom rigor, a confirmação de que ninguém pode ensinar a viver. «A vida é sentido», dirá já a fechar o livro. Assim é. Certas frases........
© Jornal SOL
