Construção de Chico eterniza o operário descartável
Ora, o Brasil sempre encontrou na música popular um espelho mais fiel do que qualquer editorial de jornal ou estatística oficial. Se a literatura conta o que somos, a canção revela como nos sentimos. Entre tantas obras-primas da MPB, poucas sobreviveram ao tempo com a mesma força de acusação, a mesma vitalidade estética e a mesma contundência ética quanto Construção, de Chico Buarque de Holanda. Lançada em 1971, quando o país respirava sob a escuridão da ditadura, a música parecia antecipar um Brasil que viria, mas que, para nossa vergonha, ainda não partiu: o Brasil da desigualdade estrutural, do trabalhador descartável, do silêncio imposto às classes invisíveis.
Mais de meio século se passou desde aquele disco que atravessou a censura e os muros do medo. No entanto, cada vez que ouvimos a voz de Chico cantar o operário que “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”, percebemos que a canção não ficou presa ao passado. Ela se atualiza a cada morte banalizada, a cada trabalhador precarizado, a cada família invisível. O verso não é apenas memória: é denúncia viva, documento perene de um país que insiste em girar em falso.
A genialidade de Construção reside tanto no que diz quanto na forma. A estrutura repetitiva dos versos — frases quase idênticas que se transformam por uma palavra final inesperada — cria um efeito hipnótico, circular, claustrofóbico.........
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