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O mesmo Sol na língua. Por José Paulo Santos

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14.12.2025

Na escola onde vivo hoje, em Aveiro, o tempo às vezes dobra-se sobre si próprio. Foi o que aconteceu, há tempos, em que li, em voz alta, uma frase que criei para exemplificar o modo imperativo, que poderia ter saído da pena de Eugénio de Andrade – e talvez por isso mesmo soe tão verdadeira: Dá-me a tua boca, dá-me o teu pão, / dá-me o azeite sobre a pele do trigo.

Um silêncio leve caiu sobre os meus pupilos. Depois, Youssef – jovem de Marrocos, olhos cor de terra seca – ergueu a cabeça e disse, quase em sussurro: 

– Professor… em árabe, azeite é ez-zīt. É quase a mesma coisa.

E era assim, o ensino da descoberta do português, no Liceu Sadiki, em Tunes – sob tetos altos que guardavam o eco de Ibn Khaldun e de Habib Bourguiba. Também ali, em salas onde o mármore parecia respirar História, um aluno me perguntara, com o mesmo espanto: 

– Como é possível que o vosso “azeite” soe como o nosso zīt?  

Hoje, nesta terra banhada pela ria, a pergunta repete-se – mas com o sotaque de quem descobre que a língua não o exclui, antes o reconhece. E nesse reconhecimento reside o mais simples e mais urgente dos ensinamentos: somos todos feitos da mesma matéria humana, apenas expressa em ritmos e tonalidades diferentes.

Não por acaso, o português diz azeite, azeitona, alface, alfarrobeira, almofada – palavras que brotaram do mesmo solo onde floresceram os jardins do Liceu Sadiki e as aulas do........

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