Comecei a escrever para organizar as dores da morte
Mari pergunta como eu era aos 20 anos.
Eu era a mesmíssima coisa que sou hoje, mas ainda não precisava disfarçar que não tenho mais 20 anos.
Carina quer saber quando eu entendi que era uma escritora.
Já contei essa história algumas vezes, mas é um relato bonito e não me custa rememorá-lo.
Eu tinha 13 anos quando meu avô morreu. Até aquela data, não me lembrava de uma única tarde sem a sua companhia. Ele era uma figura peculiar: adorava me dar presentes de bancas de jornais, esquentava nossas meias atrás da televisão, fazia um lanche substancioso cinco minutos antes de almoçar e deixava quase todas as frutas de molho em um copo cheio de vinagre de maçã.
Seu velório foi em casa e ele estava deitado na cama. Assim que cheguei, fui tomar um copo de água e achei minhas uvas submersas num copo cheio de vinagre de maçã. Antes de morrer ele higienizou minhas uvas.
Sem saber o que fazer com aquela dor (eu não sabia nem como senti-la), e sem espaço para pedir ajuda (os adultos à minha volta sofriam demais) eu comecei a narrar, dentro da minha cabeça, tudo o que acontecia no velório.
Narrava quem chegava, quem chorava, quem trazia comida (me deram uma sopa horrível com tanto óleo que os legumes boiavam numa coloração dourada e brilhante). Fazia listas das pessoas que estavam lá e meu avô nem gostava. E elencava os motivos pelos quais ele não ia........
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