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A nova lenda do Capuchinho Vermelho

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29.09.2025

Era uma mulher, com nome de mulher, mas a quem todos continuavam a chamar de Capuchinho Vermelho. Como se ainda fosse uma rapariga. A mãe chamava-lhe Capuchinho Vermelho, porque apesar de a saber crescida e amadurecida, não conseguia abdicar da ideia de que a mulher já não era uma menina, nem tão pouco uma bebé, que cabia nos seus braços, na cova do regaço, e a quem em tempos embalara, emprestara o peito para dormir e os mamilos para nutrir.

Os outros homens e mulheres ainda lhe chamavam Capuchinho Vermelho, porque apesar do peso dos anos, homens e mulheres continuam a tratar-se teimosamente por “aquele rapaz” ou “aquela rapariga”, pois não conseguem abdicar da ideia de que aqueles que conhecem desde a infância, espelho do quanto viveram, estão como eles velhos, e já não cabem nos nomes de criança.

Em criança, chamavam-lhe Capuchinho Vermelho porque quando era pequena tinha o rosto sempre vermelho, enrubescido pelo entusiasmo e pela excitação das brincadeiras, mesmo que a avisassem muitas vezes que devia ter mais calma para não ficar tão entusiasmada ou avermelhada, pois as meninas não deviam ficar afogueadas como se fossem rebentar, que não deviam vibrar como um vulcão — isso era tarefa dos rapazes, explosivos por natureza, sempre em combustão.

Chamavam-lhe Capuchinho Vermelho porque quando estava a crescer usava uma camisa vermelha da qual despontavam dois caroços rijos como caroços de cerejas, que cresciam teimosos, mesmo quando lhe diziam para abotoar a camisa até cima, e lhe apertavam o último botão, aquele que engasga no pescoço ao abotoar.

Chamavam-lhe Capuchinho Vermelho quando uma manhã tinha sido surpreendida pela nódoa vermelha que sujava a roupa da cama, e a avisaram de que já não era rapariga, mesmo que a continuassem a tratá-la como tal, e a pedir-lhe que não deixasse de brincar com as bonecas, porque crescer era uma pressa mal-educada.

Chamavam-lhe Capuchinho Vermelho quando ela escrevia com uma caneta de tinta vermelha no diário, sobre os amores que tinha aos cantores de rock; ou quando tinha aprendido a usar o pincel para pintar pacientemente as unhas de vermelho para ter mãos elegantes e as unhas longas como as cantoras de pop; e quando começou a caminhar sobre as botas de tacão alto que magoavam os pés e faziam bolhas vermelhas entre os dedos, para ter as ancas elegantes e as pernas longas como as mulheres com corpos de rapariga das fotografias nas revistas.

Chamavam-lhe Capuchinho Vermelho quando tinha saído de casa com as nádegas redondas como maçãs vermelhas a rebolar debaixo das calças vermelhas, e tinha sido picada por línguas que serpenteavam encostadas aos seus ouvidos a caminho da........

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