Partidários, partisans e particípios passados
1. Durante algumas semanas Portugal vai assistir a serpentinas movimentações dos dirigentes partidários. O objectivo de todos eles será o mesmo – assegurar a notoriedade possível no momento presente, o que em alguns casos se confunde com a sobrevivência, e um melhor posicionamento em relação ao futuro próximo. Desde há 50 anos que a preocupação dos partidos com o futuro é o mais importante princípio estruturante da sua actuação. Não é o futuro das pessoas, de Portugal, ou de qualquer outra coisa maior do que eles. É o seu próprio futuro que os agonia, a sua falência como agências de emprego e a sua queda na irrelevância enquanto oráculos de disparates.
Durante algumas semanas o caldo partidário vai ser remexido por senadores e centuriões. Ocorrerão sacrifícios punitivos e propiciatórios, novos olímpicos vão emergir das trevas e espadas de boa lata vão ferir sem piedade elmos de papel machê. A tragédia será grega, os actores de revista e o argumento de cordel. O público vai chorar ou rir consoante for mais dado ao sentimento ou à galhofa. Os armadores da pantomima, movidos pela senescência ou pela psicopatia, que em alguns casos acumulam com teimas asininas, vão parecer incansáveis sendo apenas chatos.
2.Durante alguns dias, os números da eleição de 18 Maio vão ser movidos em diagonais criativas até colidirem numa soma considerada prometedora – aquela que pode assegurar umgoverno estável. Vão fazê-lo os analistas e politólogos, os primeiros no seu papel de alquimistas que não desistem e os segundos empenhados em demonstrar que as nuvens têm arestas e superfícies de encaixe. Vão fazê-lo os políticos e, conforme se ponhamà janela ou se pavoneiem no trottoir, assim serão mais aparentados com a carochinha ou com a Severa – cada uma delas com o seu João Ratão, que vai morrer cozido e assado no caldeirão, ou com um Conde de Vimioso. Em outro tabuleiro vão ser movimentados outros números em busca de percentagens virtuosas, somas quadradas que permitam rever a constituição ou relegar adversários para a insignificância. Tudo vai acontecer conforme as marcações rigorosas da macaca, as regras da caça à garça cornuda e as ambições de um analfabeto dependente do IRS. Durante alguns dias existirão essas coisas de boa proporção, quase magníficas, quase empolgantes se não fossem requentadas, mas também protestos e ameaças. Por cada expressão de vontade será brandida uma acusação em contrário, qualquer propósito em acabar com os pobres será confrontado com a necessidade de acabar com os ricos.
Noite dentro, os actores das eleições subiram ao palco para um último acto. Dominava-os o cansaço, vários sentimentos e, por cima de tudo isso e embalados pelo seus partidários, vinham de humor espontâneo. Não estavam para representar nenhum papel, os seus discursos e as suas atitudes já não eram para ganhar votos. Foi muito significativo perceber o que os espera pela boca dos próprios. Porque não enganaram. Em cada descuido, expressão e desabafo, deixaram adivinhar o que vão fazer.
Luís Montenegro foi acusado de ter ganho as eleições, uma infracção desvendada de modo encriptado mas muito claro por conceituados analistas. Segundo perspicaçaram, porque o seu forte é a perspicácia, a desgraçada vitória de LM impediu a vitória do PS, menos explicadamente teria arrastado em tandem a vitória de André Ventura e, nessa enxurrada, a estrutura bipartidária e centrista da democracia ficou estragada. LM deve ter percebido que não foi benvindo a esse lugar onde se usavam sapatos de defunto, mas apresentou-se benévolo no seu discurso de vitória. Reconheceu ter sido escolhido pelos portugueses e deixou entendido que vai governar para todos – e essa foi a grande asneira do que disse, um discurso que começou tão bem, tendo a mãe de um lado e a esposa do outro, uma atenção à família que dispensava a veleidade de pôr o povo inteiro em cima dos ombros. Raramente um político tem a sorte de vencer humilhando os seus adversários e LM foi muito sensato em não se gabar disso. Não devia ter-se vangloriado de outras coisas. LM foi eleito apenas por um terço dos votantes e estes não foram mais do que metade dos portugueses. A maior parte dos portugueses não quer saber de LM para coisa nenhuma e muitos entre eles opor-se-ão com tenacidade ao que ele quiser fazer, com razão ou sem razão, mas com a mesma teimosia das melgas. E daí a precipitação de governar para todos, uma palermice que não tem emenda e desde........
© Observador
