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O mau Estado e o estado das coisas

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21.02.2025

Várias senhoras deputadas desentenderam-se verbalmente durante os trabalhos da Assembleia da República. Alguns homens, igualmente viris, também participaram na altercação e não terão ficado nada a perder para a inultrapassável arte feminina da peixeirada. As descrições feitas por vários jornalistas e a transcrição publicada dos argumentos permitem múltiplas interpretações de pormenor e uma conclusão global. As interpretações de pormenor são as que se adaptam à distribuição mais conveniente de culpas, a conclusão global é a de uma terrível impropriedade de tudo aquilo no espaço simbólico da democracia.

O partido Chega foi o grande responsável, como é tradicional. O Chega é hiperactivo, não tem tento na língua e alguns genes do seu DNA não provêm das melhores famílias. O Chega representa o papel do miúdo imprevidente que na escola partiu um vidro e não gosta de jogar à baliza – é ele que a professora e os pais dos outros meninos escolherão sempre para culpado de todas as diatribes, incluindo as que não o são e aquelas que os seus colegas perpetram antes de esconderem a mão.

Na contingência daquele tumulto, ao Partido Socialista e ao Bloco de Esquerda foi cometido serem depositários das virtudes da 1.ª República, da competência ideológica do 25 de Abril, e da robustez moral de Che Guevara. Não necessitam de ser virtuosos, competentes ou morais – basta que se diga que o são, e esse é um trabalho de natureza criativa que, à falta de intocáveis, tem sido desempenhado por jornalistas e cantores.

Não é relevante apurar quem se portou pior naqueles minutos sem ideologia e sem elegância. Aquilo que se viu foi uma mistura aperfeiçoada da demagogia própria da ágora ateniense e da verve estilística cultivada na taberna do senhor Leopoldino.

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Infelizmente, não é um momento único nem o mais grave dos que têm feito a história recente do parlamento. A aprovação da desagregação de freguesias pelos dois grandes partidos do centro evidencia com mais estrondo aquilo em que o parlamento se tornou – uma agência de empregos com vagas próprias e capacidade para abrir vagas em outros lugares à volta. Há deputados a quem acusam de roubar malas, de seduzir menores e de pintar as unhas. Há deputados que são substitutos – de deputados que não são, desde o primeiro dia foram eleitos, depois de terem enganado os eleitores com as suas caras e as suas promessas – há deputados que têm ouvidos e não ouvem, há deputados que têm boca e não falam, há deputados que têm cabeça e não pensam. Ao fim de 50 anos a Assembleia da República é hoje a morada de homens ausentes, a Fátima de peregrinações reivindicativas e o penúltimo refugo de muitas figuras duvidosas.

Os outros braços do Estado de direito oferecem idêntico problema de astenia e falta de ar. O longo braço da justiça, aquele que devia chegar mais longe e com mais acerto, enerva os cidadãos mais compreensivos. Os tribunais não têm papel, os oficiais de justiça podem estarem greve nos dias em que há papel, havendo papel e oficiais de justiça pode não haver quem leve o arguido ao tribunal, havendo tudo isso pode dar entrada um recurso da defesa e, se o julgamento for inevitável, ainda resta a expectativa de um incidente processual. Uma alegada tramóia de bancos, alegadamente lesiva em muitos milhões de euros de todos os portugueses que não pertencem ao conselho de administração de um banco, não se confirmou.........

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