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As greves, as árvores e a floresta 

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11.05.2025

1 “Um dia vamos ter de pôr cobro a isto”, foi afirmado pelo primeiro-ministro em campanha e referindo-se a uma greve dos motoristas da CP que dura(rá) uma semana. O primeiro ministro podia ter tido aquela afirmação a propósito de muitas outras situações que estão a matar em Portugal – pessoas, economia, futuro e dignidade. Mas foi a propósito da greve na CP que o PM assim se aliviou – e pareceu revoltado. Para que as pessoas possam aproveitar a totalidade do risível e do nada risível contidos nessa greve, compete ler a informação prestada pela CP: “… greves convocadas, pelos sindicatos ASCEF, ASSIFECO, FECTRANS, FENTCOP, SINAFE, SINDEFER, SINFA, SINFB, SINTTI, SIOFA, SNAQ, SNTSF, STF e STMEFE, entre os dias 7 e 8 de maio de 2025, pelo sindicato SMAQ, entre os dias 7 e 14 de maio de 2025, e pelo sindicato SFRCI, entre os dias 11 e 14 de maio…”.

Há um risco não desprezível de aquela frase do PM ser um desabafo. São extremamente comuns esses desabafos, associados a uma esperança clandestina de que as coisas aconteçam por si e que não seja necessário deixar ninguém melindrado. Todos os políticos têm desabafos desses, delicados e sofridos, com os quais desejam passar a ideia de que um exército de leis e soldados se preparam e, de camuflado vestido, já empunharam na mão direita a pena e na esquerda a espada. O que a história recente ensina é menos bélico e mais próximo do que seria o final de uma edição do Sequim d’ouro – um mimoso concurso de canções infantis, sendo que o sequim já foi uma moeda de ouro e hoje é apenas uma rodinha de lata dourada, imitando uma moeda, usada para fazer vista.

Se assim não for, e o primeiro-ministro tiver a intenção real de pôr cobro a várias doenças que minam o país doente – ou pelo menos às greves dos comboios – já valerá a pena o homem ir a primeiro-ministro. O primo-ministério, uma condição que no seu caso e para qualquer outra alternativa seria algo entre o indiferente e o catastrófico, poderá então servir para alguma coisa. Não retirará Portugal da miséria, da infestação e da vergonha, mas permitirá que o seu corpo moribundo se aguente com melhor aspecto.

2 Em encruzilhadas como esta — um país de comboios parados, com vontades desistentes e protagonismos medíocres, numa altura em que apenas se vêem mexer as caravanas dos partidos e, em fundo como um baixo contínuo anestesiante, os activismos e as causas — há oportunidade de um político se tornar um estadista.

As reacções às palavras do primeiro-ministro são suficientemente claras sobre o que o espera. Com uma única excepção antecipam uma oposição sem tréguas, que permita aos 15 sindicatos presentes na CP continuarem a fazer as suas greves hebdomadárias, sazonais ou a-propósito, e garanta por cânone que se possa fazer greve em soberba desconsideração pela comunidade e sem qualquer penalização pelos danos.

Pedro Nuno Santos repontou que “nunca na vida ouvirão um líder do PS a pôr em causa a lei da greve”. É um modo profundo de depor o seu pensamento embora enferme de duas ilusões: a de que é líder do PS e que a vida equivale à duração penosa do seu protagonismo. PNS é um dos casos mais melancólicos da política portuguesa. PNS é um jovem de bom coração e impulsivo (apesar dos seus 48 anos não se criou o hábito de dizer que é um homem inteligente e ponderado) com uma habilidade repetidamente demonstrada para fazer asneiras sumptuosas e telegénicas. Foi catapultado para um lugar onde não tinha futuro nem brilho a curto prazo e no qual António Costa não quis comprometer o seu delfinato – ou seja, os que apoiaram PNS com a mesma frieza com que animariam um caçador a entrar numa floresta que ardeu. É um pouco aflitivo que ele não veja, porque não parece má pessoa........

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