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Aborto: guia para uma correcta utilização 

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1 Aborto é o termo que designa a remoção não natural de um objecto vivo situado intrauterinamente. Tal pode acontecer espontaneamente — o aborto espontâneo, indesejado, e sempre dramático quando a mãe e o pai têm a noção de que se perdeu uma vida — ou provocado, neste caso com recurso obrigatório a expulsão química ou por arrancamento mecânico.

“Aborto”é uma palavra de origem latina composta pelos étimos “ab”, que significa ausência ou privação, e “origo”, significando nascimento, origem. É o termo apropriado para designar o corte definitivo da vida enquanto se prepara para nascer, sem regresso ou possibilidade de retoma. Nesse sentido a expressão “interrupção voluntária da gravidez” é desadequada por ser pueril – seria como designar um homicídio por esganamento como interrupção involuntária da respiração — e por ser errónea — no sentido em que atribui às palavras um sentido que elas não têm.

“Interrupção” deriva do latim interruptio, do verbo interrumpere, composto por inter, que significa entre ou no meio, e por rumpere, com o significado de quebrar ou romper — interruptio significa literalmente “rompimento no meio de alguma coisa”, uma quebra ou interrupção de continuidade. “Interrupção” contém em si, como original e mais forte, o significado de quebra de continuidade e só por extensão de conceito é usado para designar “fim” ou terminus. Um árbitro interrompe o jogo para permitir que um jogador com uma perna partida possa ser removido e o encontro possa ser retomado, Augusto Santos Silva interrompia um deputado para que ele se calasse sem possibilidade de retomar a palavra. Nestas duas circunstâncias estão presentes o uso rigoroso e não rigoroso das figuras e, igualmente, níveis diferentes de conhecimento das regras porque se rege o exercício de uma determinada actividade. “Interrupção” não é de todo o termo honesto para usar no contexto de gravidez — uma gravidez não é interrompida porque não pode ser retomada.

Também o termo “voluntária” é de rigor duvidoso. O termo designa algo “que se faz de livre vontade, sem constrangimento” (Porto Editora). Só por maldade e grande desrespeito por uma grande maioria de mulheres que abortam lhes pode ser assacada uma vontade livre e a ausência de constrangimentos.

Quanto à “gravidez”, não há dúvidas.

2 O aborto provocado é muito frequente e, atendendo ao modo como tem sido promovido, pode considerar-se bastante popular. Em todo o mundo são realizados 73 milhões de abortos por ano (WHO, 2025), um número certamente inferior ao real, porque são incontáveis as mulheres que ainda convivem mal com esse direito fundamental da sua condição e não revelam terem abortado, nem aos seus maridos nem aos sociólogos. Em Portugal, foram feitas em 2024 17807 “IVG”, 48 por dia (ERS), e foram gastos nesses procedimentos 5,4 milhões de euros. A mesma fonte refere 12159 abortos em 2021, 15870 em 2022 e 17124 em 2023 – um aumento progressivo que, segundo alguns activistas, será ainda insuficiente. No mesmo período nasceram 84059 bebés, o que corresponde a 4,7 bebés aproveitados por cada um desperdiçado. Ambos, abortos e partos, são do domínio da obstetrícia. Serão, portanto, da responsabilidade dos mesmos profissionais mas, ao contrário do que acontece nos partos, não são conhecidas queixas de violência obstétrica em relação com os abortos.

3 Como se legaliza o aborto?

Foi a União Soviética o primeiro país no mundo a legalizar o aborto. Foi a resposta leninista a uma elevada taxa de abortos ilegais e mortes maternas, fazia parte do pensamento original de Lenine, e resultou do “Decreto sobre a Saúde da Mulher” de 1920. Esse decreto declarava o aborto ilegal como um mal grave para a sociedade, antevia o seu desaparecimento gradual à medida que fossem criadas protecções à maternidade e à infância, mas, concluía, entretanto seria necessário permitir o aborto legal através do sistema de saúde. Ainda hoje, mais de 100 anos depois, o aborto não desapareceu, nem gradualmente nem de maneira nenhuma. E a Rússia, feliz herdeira do pensamento leninista, é um dos países onde é mais praticado.

Aquele texto de 1920, muito mais expositivo no original, viria a constituir uma espécie de minuta que todos os países........

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