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Podemos expressar os limites à liberdade de expressão?

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11.07.2025

1 O tema da Liberdade de Expressão (LE) reveste-se de grande actualidade. E ainda que a mesma esteja detalhadamente definida e protegida na Constituição da República Portuguesa (artigo 37), na Carta dos Direitos Fundamentais (artigo 11) e na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (artigo 19), não deixa de ser um tema complexo, com várias “camadas” de análise, pouco consensual, e gerador de acalorados debates públicos. Ainda recentemente, numa pequena localidade de Arberatze-Zilhekoa, no País Basco francês, a comediante basca Ane Lindane, durante um festival local, encenou um ato de masturbação com um crucifixo, dentro de uma igreja, enquanto gritava “Deus está morto”, “Deus está morto!” (fonte El País). Quando confrontada com os factos terá justificado dizendo, entre outras coisas: “Abalamos as bases do catolicismo com gargalhadas. Profanamos, amaldiçoamos e denunciamos os abusos sexuais da Igreja”; “Uma das obrigações dos palhaços é precisamente isto: apontar estas realidades, ridicularizá-las, humilhá-las e urinar sobre elas. Essa é a minha missão como comediante”. Ou imaginemos um filme publicitário, no qual se revelaria, detalhadamente, que a Prozis, conceituada empresa de alimentação desportiva, teria desenvolvido uma bebida energética ilegal para prolongar artificialmente a longevidade do craque Ronaldo, ou imaginemos ainda um sketch, alegadamente humorístico, onde a Glock, famosa marca de armas de fogo, pagou a um sniper para disparar contra Donald Trump em 2024, porque queria retirar aquele candidato da corrida às eleições americanas. Imaginemos, ainda, que as acções das referidas empresas caíram a pique na bolsa, vários contratos foram cancelados, o jogador foi castigado, etc., etc.

Estes são exemplos (real e fictícios), a partir dos quais, decorre inevitavelmente a pertinente questão: deverá ser imposto algum tipo de limite à LE? É ela em si mesmo um valor absoluto? E quando as nossas acções ou opiniões violam o direito dos outros, nomeadamente o seu bom nome e dignidade? E quando há um dano objectivo, inequívoco? E quando há dolo, intenção, má fé? Não configurará, no caso da referida comediante, um crime de ofensa aos sentimentos religiosos das pessoas, nomeadamente, ridicularizar, aviltar, fazer escárnio dos seus “dogmas, crenças, ritos ou cerimónias”? Falamos de LE, mas que tipo de “liberdade”, que conceito, que ideia de liberdade defendemos? Liberdade ilimitada, absoluta? E “expressão”; o que é a expressão? Que tipo de expressão? Será que a expressão deve ser ilimitada? Mesmo quando incita outras pessoas a discriminar, hostilizar ou, no limite, a praticar violência contra terceiros? Terá sido isso que a basca, Ane Lindane, fez? Terá a referida humorista violado a Constituição do seu país por eventuais ofensas aos sentimentos de pessoas de uma determinada confissão religiosa? E nos outros dois casos, ainda que fictícios, será que a Prozis e o craque Ronaldo, a Glock e o Partido Democrata, supostamente entidades respeitáveis e sérias, ficariam satisfeitos com uma justificação do tipo: “estava a brincar, é só uma piada, é um mero exercício de LE”? Muito provavelmente, não! Por outro lado, como é que podemos garantir, qual o critério, quem o define… que ao expressarmos as nossas opiniões não estamos a violar os legítimos direitos das pessoas visadas? Mais importante que a liberdade, é o modo como ela é exercida (Papa Leão XIII).

2 Considerações gerais

Que conceito de liberdade deve orientar as nossas escolhas e decisões? O que significa para cada um de nós a liberdade? Como é que este valor fundamental se relaciona com outros valores, igualmente importantes, como seja o valor da Ordem, da Imparcialidade, da Justiça? Qual deles deve prevalecer sobre os outros? Que tipo de relação hierárquica se estabelece entre eles? Se não equacionarmos e aprofundarmos estas questões corremos o risco de nos limitarmos à primeira “camada” de análise do problema, e a “mandarmos uns bitaites”, mais ou menos emocionais, mais ou menos sentimentais; menos racionais, do que mais, seguramente.

Uma perspectiva mais liberal do........

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