Uma temporada na Opus Dei
Como escreveram Graham Greene e Emmanuel Carrère, o relato do início do affair é algo sempre desvirtuado e autoimposto. Para além da mera cronologia, é exposta uma parcialidade, muitas vezes simultaneamente intuitiva e solene, em que as peças são encaixadas a gosto, sem obedecer a ritmos fixos ou a súbitas explosões, oferecendo uma cadência que, se for bem conseguida, passa por honesta. Nessa realidade proposta, começamos num ponto que, se para outrem é decisivo, para nós mesmos não passa de aleatório, não fosse o preconceito. Não estando a relatar o começo do Universo nem o aparecimento do Homem, ambos tábuas rasas do entendimento, o facto inelutável é que temos mesmo de dar o pontapé de saída ao processo, e aqui, qualquer ângulo é razoável.
Voltando ao bom do Carrère, na sua belíssima obra Yoga, quando o protagonista (no caso, ele próprio) chega ao recinto de meditação, é-lhe colocado nas mãos um questionário; uma das perguntas, a terceira, versa sobre o momento da vida em que se encontra. Não querendo assumir aqui e agora a resposta na primeira pessoa, quero dizer o seguinte. Em meio século de vida é espectável que muito água tenha passado por debaixo da ponte. E fazendo fé no velho filósofo de Éfeso, se nem a água permanece a mesma, o mesmo sucede ao banhista. Agora, secando ao Sol, absorvendo os seus raios benevolentes no meu corpo, corpo já com os sinais de envelhecimento, exerço, ao invés, uma breve reflexão sobre o passado.
Ao contrário de alguns que desde muito (ou relativamente) cedo, souberam o que queriam – e perseguiram-no avidamente – eu, tenho de confessar, ainda não conheço aquilo que, no dizer de alguns, é o destino. Poderei sempre apontar para a falha parental: a falta de ligação, e até de interesse, pelas coisas futuras e, principalmente, pelas coisas alheias. Não serão exceção, dir-me-ão, numa geração que viveu entre dois mundos, ora abnegando um, ora outro, e jamais se reivindicando de alma e coração de qualquer deles, pois jamais os entenderam verdadeiramente. Chegaram demasiado cedo ou demasiado tarde a uma revolução que já não fazia sentido historicamente, mas que........
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