Entre o logo se vê e o logo veremos!
“Logo” em português é um termo paradoxal: significa já, imediatamente e, ao mesmo tempo, mais tarde, depois. Portanto uma palavra que tem em si mesmo o seu antónimo. Assim, quando um português diz “faço logo que possa” ou “eu logo trato disso” é sempre de desconfiar e podemos esperar tudo. Em suma, o “logo” é um logro e, talvez, uma das palavras mais portuguesas! A expressão “Logo se vê” é uma hipérbole do termo logo. Ou seja, aumenta o caracter indeterminado no tempo do termo “logo”, colocando-o numa inércia que depende de acontecimentos que não são controlados pelo sujeito falante. A expressão “logo se vê” tem um caráter condicional e impessoal em que o verbo “ver”, na voz passiva sintética (se vê), retira a ênfase a um sujeito específico e, portanto, à sua vontade. Diferente de “logo vejo” ou “logo veremos”, que indicam um sujeito definido e uma assertividade em relação ao futuro, “logo se vê” remete para uma decisão/situação sem especificar quem ou quando e ou se se fará/acontecerá de facto.
Quando um português pensa que é necessário planeamento e reflexão, há muitas vezes outro ou um outro-eu (pois muitas vezes é um diálogo interno da consciência), que diz: “Isso, depois logo se vê!”. Se o primeiro insiste que é melhor planear e reflectir pois depois pode ser muito mais difícil, perguntando mesmo “como é que depois vamos resolver todas as questões em cima da hora?”, a resposta pode vir ainda na forma de “Olha, logo se vê!” (poderá até vir num tom irritadiço pela insistência). Se o outro ainda diz que se calhar estamos já em situação de correr contra o prejuízo, já no caminho errado, porventura a actuar de forma irregular, quem sabe até ilegal e mais valia prevenir do que remediar, que era melhor a coisa ser estudada… a resposta ainda pode vir na forma de “Deixa lá, logo se vê!” – e possivelmente acrescentada de uma expressão do género: “Tu também és cá um legalista!” – dito obviamente num tom fortemente crítico. Se a discussão for feia, o reflexivo pode terminar dizendo “Então, olha, logo veremos!”, que pode ter a sombra de ameaça ou de praga: a lei de Murphy evidenciando que o que tiver que correr mal, mal correrá. E, assim, o “logo se vê” e o “logo veremos” é uma espécie de dialéctica portuguesa entre o destino e as suas circunstâncias, por um lado, e a vontade indómita individual, por outro, num contínuo ajuste de contas entre estas duas dimensões de personalidade dos portugueses. Por um lado, o português que aceita a intuição, o fluxo da vida e a adaptação ao curso natural dos acontecimentos sem forçar mudanças, que responde muitas vezes com o “pois” ou........
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