A reforma comportamental do Estado (I)
Quando se deu a crise financeira de 2008 com repercussões em Portugal a partir de 2010, os economistas (ou alguns economistas) perceberam que por muito bons que fossem os modelos económicos nada poderiam contra determinados comportamentos dos agentes! A crise financeira teve raízes comportamentais, e os modelos económicos falharam sobretudo por ignorarem os fatores psicossociais dos agentes e a importância da ‘racionalidade limitada’ por oposição à racionalidade pura dos modelos.
A verdade é que a acção e a ciência económicas estão entre, por um lado, os modelos estocásticos de equilíbrio geral (‘Rocket Science’ ou ciência de dados) e, do outro, a criatividade humana mais ou menos perversa. O filme The Big Short, baseada no livro de Michael Lewis é um bom ensaio (verdadeiro) sobre tal dicotomia. Logo em 2009 Akerlof (Nobel da Economia em 2001) e Shiller referiram a importância da crença em narrativas como “nova era de boom” e a “ilusão do dinheiro” para explicar a crise de 2008. A obsessão pela performance e o comportamento de rebanho são referidos como outros aspetos psico-sociais na base da crise (ver Ian McDonald, The global financial crisis and behavioural economics-2009). Em 2008, o livro de Richard Taller (Nobel da Economia em 2017) e Cass Sunstein, Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness, foi um êxito global no quadro da economia/administração comportamentais e Cass Sunstein esteve mesmo na Administração Obama para implementar a lógica nudging nas políticas públicas. Stiglitz (Nobel da Economia em 2001) defendeu em 2018 (Where modern macroeconomics went wrong) que, no pós-2008, era vital integrar economia comportamental sem a qual a “macroeconomia é apenas um exercício de ajuste de curvas”. George Akerlof defende que a macroeconomia deveria considerar “enviesamentos cognitivos, reciprocidade, justiça, comportamento de rebanho e estatuto social” mas há fortes resistências da parte da economia tradicional. (Antara Altar, 2023 – Revisiting the Behavioral revolution in Economics- Project Syndicate).
A hipótese que coloco neste artigo é que tal como tivemos uma crise económica e a financeira internacional em função de uma divergência entre comportamentos dos agentes e expectativas da parte dos modelos político-económicos, estamos perante uma crise profunda da democracia e, porventura, mesmo do Estado, a nível internacional em função da divergência entre modelos político-jurídicos e a heurística dos actores individuais. A percepção de tal situação pelos cidadãos de forma mais ou menos intuitiva, a utilização de tal arena pública pelos partidos populistas e uma reflexividade social de tal problema por cientistas sociais que não são escutados em........
© Observador
