A impossibilidade da sociedade cosmopolita
“Vai sendo tempo, não digo de voltarmos as costas ao mundo, mas de sermos universais, da única maneira capaz e digna: sendo portugueses. Desenraizando-nos de Portugal, nem homens, nem poetas, nem filósofos podemos ser.”
(António Dias de Magalhães)
A célebre frase com que Kant conclui a sua Crítica da Razão Prática – “Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: O céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim.” – simboliza um aspeto fundamental do seu pensamento, e que será recebido com todo o fulgor pelo liberalismo: o conceito de universalidade. Todos os homens estariam sujeitos ao mesmo céu estrelado e encontrariam no seu espírito a mesma lei moral, que a razão lhes impõe como imperativo categórico. As regras morais – os deveres morais – valem, assim, para todos os homens, são universais.
É este universalismo que encontramos igualmente na sua teoria do conhecimento: se não é possível conhecer a realidade em si, uma vez que lidamos com o mundo a partir de estruturas específicas (as condições de possibilidade do conhecimento), ainda assim é possível falar de um modo de conhecer humano, uma vez que todos os homens partilhariam essas estruturas cognitivas.
As consequências políticas e éticas deste universalismo são claras. Apesar das diferenças sociais e culturais, há um substrato comum partilhado por todos os homens que permite chegar a uma compreensão comum, pelo que, através da faculdade de comunicação partilhada racionalmente, seria possível encontrar princípios éticos universais – e, até, aprovar uma declaração universal dos direitos humanos.
Se partilhamos esse substrato comum, então é possível o mundo pensado pelos estoicos, também eles partindo de uma razão universal como aquilo que nos liga: é possível – até desejável – um mundo cosmopolita com uma convivência pacífica e saudável entre pessoas de diferentes culturas e nacionalidades. Afinal, todas as sociedades são compostas por indivíduos e os indivíduos, partilhando uma racionalidade comum, podem chegar a entendimentos morais e políticos comuns e criar sociedades diversas e pacíficas. “Não sou........
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