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A absolutização do género

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18.03.2025

Nas últimas décadas do século XX o pensamento académico anglo-americano foi dominado por uma ideia legada por John Locke: a de que o homem nasce como uma página em branco (blank slate). Todo o conhecimento adviria da experiência (Locke é um dos principais representantes do empirismo), o que significaria que todas as nossas crenças, comportamentos e valores seriam socialmente adquiridos. Essas são as décadas do sucesso da antropologia cultural, das teorias sociológicas e do relativismo. São também as décadas do triunfo do género, conceito que permitiu inicialmente distinguir entre “fator natural” e “fator social” – o que resulta da natureza e o que resulta de convenção social – mas que acabou por se absolutizar, considerando que tudo é social.

(A confusão em torno deste conceito, por tendermos a aplicá-lo a partir da língua inglesa, é rapidamente identificada quando no relatório de aprendizagem das crianças do pré-escolar se assinala como competência: “Conhecer o género (feminino ou masculino)”. Como é óbvio, as crianças pequenas reconhecem o sexo, e não o género.)

É esta absolutização que está no cerne das teorias do género, que se manifestam em diversos domínios partindo da mesma premissa: o “natural” não existe senão como uma ferramenta intelectual daqueles que querem manter as estruturas sociais de opressão. Para aqueles que defendem a absolutização do género, não existem limites (naturais) ao tipo de sociedade que podemos criar e seria possível gerar uma sociedade absolutamente igualitária, o mesmo é dizer, progressista.

Não é por isso surpreendente que um dos alvos preferenciais de ataque das teorias do género sejam as áreas de estudo que procuram compreender o homem na sua dimensão animal como resultado de um processo adaptativo, quer em termos biológicos (biologia evolutiva), quer em termos psicológicos (psicologia evolutiva). A lógica aplicada a esta recusa pode ser expressa do seguinte modo: se os estudos evolutivos podem ser usados para justificar as estruturas sociais entendidas como opressoras, então esses estudos estão errados. Trata-se, naturalmente, de uma falácia mas que é comum quando pretendemos que a realidade se adeque à nossa teoria, ao invés de adaptar a teoria à realidade.

Steven Pinker designa como exibicionistas morais os académicos que avaliam as ideias não pela sua verdade, mas pela sua coerência em relação aos ideais progressistas. Mas o problema maior resulta da........

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