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A força da reacção

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27.06.2025

Uma comunidade pode justamente chamar-se “civilizada” quando os seus valores morais estão de tal forma enraizados nos membros da sociedade que os comportamentos, não apenas correspondem àqueles valores, como deles decorrem de forma natural. Daí que a ideia de alterar os comportamentos sociais através do estado, uma novidade que a esquerda trouxe para o plano político em nome de alegados superiores princípios civilizacionais, apenas revele uma necessidade, seja ela real ou imaginada, de impor comportamentos que não estão imbuídos de forma natural e espontânea nos espíritos dos cidadãos — se estivessem não haveria necessidade de os impor por via da regulamentação e doutrinação estatal.

Assim, quanto mais o estado sente a necessidade de regular, controlar, regulamentar a sociedade, das duas uma: ou essa necessidade é real e atesta um vazio de valores partilhados no centro de uma comunidade ou, em alternativa, representa um divórcio entre a naturalidade dos comportamentos sociais e a artificialidade das leis que se querem impor para limitar esses mesmos comportamentos. Agora, aquilo que por definição um estado socialmente regulador nunca pode afirmar, ao contrário do que a esquerda contemporânea sempre pretende fazer acreditar a cada proposta de nova conquista moral, ou qualquer regulamento vendido como essencial, é que a novidade legal representa o pináculo do “avanço” civilizacional. Não representa, muito pelo contrário, nunca poderá representar: a suposta necessidade de educar, moldar, influenciar comportamentos apenas pode atestar a vontade de impor uma moral que, seja por que razão for, necessariamente, difere da realidade social. De facto, a noção de que o “civismo”, a “cidadania”, os valores sociais dependem do estado, quanto muito, reflectem um caso de falência moral — ou a do estado, que pretende regular contra a moral da sociedade, ou a da sociedade, que na ausência de moral própria que justifique a sua própria organização carece de regulação imposta pela força e autoridade do estado. No Ocidente, ao longo das últimas décadas, ambas cambiantes parecem ser verdadeiras.

Ainda assim, este pequeno apontamento atesta o enorme paradoxo da esquerda moralista contemporânea: em nome de valores civilizacionais que pretende representar, permanentemente força a sociedade a ser aquilo que, seja por que razão for, não é, nem nunca foi. Aliás, é precisamente esta contradição que culminou numa batalha cultural que, já ao longo das últimas décadas, tem vindo progressivamente a impor, por um lado, uma agenda de valores e costumes que são, pela razão que se aponta, evidentemente alheios ao nosso hábito cultural e civilizacional. Por outro lado, esta imposição conseguiu alimentar-se de, e alimentar, um processo em que a sociedade se foi progressivamente esvaindo de responsabilidade para um estado que, cada vez maior, a regulamenta e fiscaliza. Este processo, como vimos assente numa contradição, é a verdadeira alteração de fundo que atingiu nas últimas décadas o Ocidente, bem como consistirá numa causa cimeira das alterações político-sociais que vamos vivendo, nomeadamente a crescente polarização social e a rejeição da agenda política e social do poder político por parte de uma crescente maioria da população.

As leis, bem como os organismos públicos, devem reflectir os princípios da sociedade, levando a uma consequente harmonia entre os valores dos indivíduos — gerados organicamente, em família, na comunidade, e daí........

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