Descendentes da primeira mundialização
O discurso da escritora e conselheira de Estado Lídia Jorge, no passado 10 de Junho, em Lagos, trouxe à tona a dualidade da nossa história partilhada: o lado “mágico” dos Descobrimentos, que “mudou o mundo”, mas também o seu lado “trágico”, marcado pelo tráfico negreiro. Esta reflexão sobre a nossa identidade híbrida, enquanto “descendentes do escravo e do senhor que o escravizou”, “soma do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro”, convida a uma reflexão com uma outra latitude, sobretudo para quem assumiu no passado a presidência da União Internacional dos Juízes de Língua Portuguesa que, com outros colegas de profissão, ajudou a criar.
Relembremos que Sagres é assumido (talvez com pouco rigor histórico) como berço da expansão marítima e Lagos foi onde veio a acontecer o primeiro mercado de escravos em Portugal (século XV). Lídia Jorge realça esta ambiguidade, mas também a herança e a memória cruzada e partilhada daí resultante.
Na verdade, não se podem apagar da história os aspetos muito negativos resultantes das descobertas e da expansão ultramarina, com o aniquilamento de civilizações nativas, as migrações forçadas, a escravidão e a servidão económica, política e cultural. Contudo, esses mais de 500 anos de história também marcam uma herança cultural comum, de uma história e de uma mundividência partilhada, desde elementos simbólicos a aspetos materiais e até biológicos, abrangendo genética, consanguinidade e afinidade parental e familiar, para além da língua, religião, arquitetura, música, literatura, economia, organização social, trocas comerciais, gastronomia, mas, também, ensino, administração pública e direito.
A história........
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