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Revisão Constitucional e os Valores de Abril

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12.06.2025

Com os resultados oficiais das últimas legislativas do dia 18 de maio de 2025, damos de caras com uma realidade sociológica e parlamentar com um forte enviesamento à direita e que se traduz ainda mais quando falamos em representação parlamentar onde estão dois terços dos deputados o que permite se assim acordarem, dar início a um process de revisão constitucional. Ao saberem-se estes resultados, a discussão em torno de uma eventual revisão constitucional em Portugal , reacendeu, nos últimos dias, um debate aceso sobre os valores de Abril, a natureza da Constituição da República Portuguesa de 1976 e a alegada tentativa da direita de “subverter” o regime democrático.

Partidos como o PCP, o Bloco de Esquerda e alguns setores mais à esquerda do PS posicionam-se fortemente contra qualquer reconfiguração constitucional, apresentando a mesma como uma ameaça estrutural aos direitos dos trabalhadores, à democracia e à matriz social do Estado português. Contudo, devemos analisar de forma crítica, séria e intelectualmente honesta esta retórica- porque, em muitos aspetos, mais do que uma defesa dos valores do 25 de Abril, o que observamos por parte de alguma esquerda é um apego crítico a uma matriz ideológica anacrónica que recusa a evolução da própria democracia constitucional.

1. A Constituição de 1976: Um Documento Histórico, Não Imutável

A Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, foi redigida num contexto muito específico: o pós-25 de Abril. Refletia a vitória da democracia sobre uma ditadura, mas também incorporava, de forma explícita, uma influência de cariz socialista. A consagração de um extenso catálogo de direitos económicos e sociais, a limitação à iniciativa privada em certos setores estratégicos, e até mesmo a referência à transição para o socialismo no preâmbulo, colocam a Constituição portuguesa como uma das mais ideologicamente densas da Europa ocidental.

Todavia, em democracia, nenhum texto constitucional pode ser encarado como uma tábua sagrada. A própria Constituição prevê no seu artigo 284.º a possibilidade de revisão, estabelecendo limites temporais e materiais para o efeito. O artigo 288.º enumera os princípios intocáveis, como a independência nacional, o sufrágio universal e direto, os direitos, liberdades e garantias pessoais. Ou seja, existe um conjunto robusto de salvaguardas institucionais que impedem qualquer “golpe constitucional” — argumento tantas vezes invocado por setores da esquerda para deslegitimar, a priori, qualquer proposta........

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