A mediocridade corrói
“O advento da democracia gerou, repetida e inevitavelmente, desencanto. A democracia é compatível com a desigualdade, a irracionalidade, a injustiça, uma aplicação particularista das leis, a mentira e a ofuscação, um estilo de política tecnocrática e até com uma boa dose de violência arbitrária. A vida quotidiana da política democrática não é um espetáculo que inspire admiração: uma disputa interminável entre ambições mesquinhas, retórica concebida para esconder e enganar, ligações obscuras entre o poder e o dinheiro, leis que não têm qualquer pretensão de justiça, políticas que reforçam os privilégios.”
Esta semana, ao assistir ao desenrolar da situação política portuguesa, lembrei-me várias vezes destas palavras de Adam Przeworski no seu livro Democracy and the Limits of Self-Government. Ninguém disse que o funcionamento da democracia é bonito. Apesar das esperanças e idealismos tantas vezes depositados sobre ela, e apesar de ser uma ideia e uma instituição preferível às alternativas, a democracia é perfeitamente compatível com todas as falhas indicadas acima – e tantas outras, como a instabilidade. A democracia é perfeitamente compatível com a mediocridade e, pior ainda, com a sucessão de mediocridades. Infelizmente, é a isso que assistimos em Portugal: uma sucessão de mediocridades, sem fim à vista.
Esta crise política tem, evidentemente, dois responsáveis: Marcelo e Montenegro. Começo pelo menos óbvio, Marcelo Rebelo de Sousa. Desde o seu primeiro mandato, o Presidente Marcelo inventou a doutrina de que todos os chumbos do Orçamento do Estado, todas as substituições de um primeiro-ministro e todas as quedas de governos devem necessariamente conduzir a dissoluções da Assembleia da República e à realização de novas eleições. Esta doutrina não é uma necessidade constitucional e parece-me que foi estabelecida por Marcelo Rebelo de Sousa por motivos de estratégia........
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