José Sócrates recorre ao Tribunal Europeu
1 Na linha de outros precedentes, o anunciado recurso do ex-Primeiro Ministro José Sócrates ao Tribunal Europeu, depois de, ao longo de muitos anos, ter recorrido aos Tribunais superiores portugueses e ter ficado insatisfeito, pressupõe que o Tribunal Europeu não só tem autoridade sobre os Tribunais portugueses, como além disso é mais sábio e mais justo na defesa dos direitos humanos, e vai com certeza, ou vai provavelmente, corrigir a falta de competência, ou de justiça, ou de independência dos Tribunais portugueses. E porque o Tribunal Europeu aplica a Convenção Europeia de Direitos do Homem, também pressupõe que esta Convenção é melhor, mais justa e mais progressista do que a Constituição da República Portuguesa. Não censuro estas pressuposições a José Sócrates: ele apenas partilha uma pressuposição que é corrente, entre nós. Até entre juristas. Mas a meu ver é muito questionável. Creio que não se justifica nenhuma destas duas pressuposições. Nem o Tribunal Europeu merece mais respeito, admiração e confiança, relativamente aos Tribunais superiores portugueses, nem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do Conselho Europeu, merece mais respeito, admiração e consideração do que a Constituição da República Portuguesa. E não encontro quaisquer motivos, nem racionais, nem constitucionais, nem sequer morais, para submeter a Constituição Portuguesa e os Tribunais portugueses à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ao Tribunal Europeu, respectivamente. O Conselho da Europa tem méritos, sem dúvida, e admito que poderá ser internacionalmente útil. Mas não vejo qualquer justificação para, tendo a Constituição que temos — que até integra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, por via do disposto no art. 16.º —, nos submetamos a uma outra Declaração de Direitos Humanos e a um Tribunal internacional que aplica essa Declaração Europeia. Aliás, já temos uma outra Declaração de Direitos, a da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Não penso que quantas mais declarações de direitos seja melhor. Com essa multiplicação, só se diminui a autoridade da Declaração Universal, como alguns pretendem.
2 Bem sei, todos sabemos, que muitos constitucionalistas e politólogos se têm interessado em desenvolver a teoria chamada do «constitucionalismo multinível», que, dito em termos acessíveis aos leigos, reparte, ou desdobra, a soberania constitucional — tradicionalmente conceitualizada como una e absoluta em cada povo soberano — em graus internacionais, hierarquizados segundo uma ordem que tende a superiorizar os âmbitos internacionais sobre os nacionais. Esta teoria recebeu estímulo principalmente (mas não exclusivamente) da nova experiência política da União Europeia, e da espectativa da sua evolução para níveis de maior integração constitucional dos seus Estados membros; e também se invoca a novidade da globalização. Mas tem uma história de muitos e variados precedentes. Desde logo a velha teoria do Império; e mais recentemente a teoria comunista da União Soviética, da alegada subordinação da soberania dos países comunistas seus limítrofes.
3 Para caracterizar mais precisamente a nova teoria do constitucionalismo multinível, citarei o exemplo de um respeitável projecto português de investigação universitária, publicamente anunciado em termos muito interessantes, assim: «O constitucionalismo multinível é uma corrente doutrinária surgida, no início dos anos 90, a qual assenta no pressuposto de que o Estado – por........
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