Houve uma «fuga de cérebros» na Idade Média?
O recente endurecimento das relações entre a administração Trump e muitas universidades norte-americanas trouxe para a ordem do dia a questão do êxodo de cientistas dos Estados Unidos para o Canadá e para a Europa. Ainda que este caso tenha ganho destaque por motivos conjunturais, a circulação de professores e estudantes integra uma longa tradição europeia, que não se esgota, aliás, no conhecido programa de mobilidade ERASMUS, em vigor há quase quatro décadas.
Com efeito, na literatura, perdura a memória das grandes viagens de «estudo» dentro e fora da Europa, realizadas por membros das elites oriundas do Velho Continente, entre os séculos XVII e XIX — o chamado Grand Tour. A este aludiu, por exemplo, Eça de Queirós no seu romance Os Maias, ao referir-se ao périplo de Carlos da Maia e João da Ega pela América e pelo Japão.
Importa sublinhar que estas viagens de estudo já eram comuns na Idade Média, no âmbito de um fenómeno que a historiografia viria a associar a autênticas peregrinações motivadas por fins académicos e a consagrar através do conceito de peregrinatio academica.
A Universidade como meio de reconhecimento de competências
A partir do século XI, a Cristandade conheceu profundas transformações que deram origem a uma nova realidade cultural. As condições climáticas mais favoráveis, os avanços técnicos (como o revestimento metálico de alfaias agrícolas) e o aumento da produção agrícola possibilitaram um expressivo crescimento demográfico. Este último impulsionou a intensificação das trocas comerciais, o alargamento das áreas cultivadas (arroteamentos) e o desenvolvimento urbano.
Com o (re)nascimento das cidades, surgiram novas exigências ao nível do abastecimento e uma crescente especialização do trabalho, o que permitiu que uma parte dos citadinos deixasse de trabalhar «com suas mãos» e ficasse disponível para refletir sobre os problemas que afetavam estas novas sociedades urbanas (o aumento dos conflitos, das........
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