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Do povo à plebe

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02.07.2025

Quando eu era jovem, a esquerda dizia representar o «povo». A conversa ainda me impressionou quando frequentava o liceu. Era a ingenuidade própria da idade. Mas durou pouco. Logo percebi que a maioria do povo não dava por isso, e que a esquerda vendia gato por lebre. As coisas não batiam certo. Mas a esquerda persistiu, bem vistas as coisas, até hoje.

Mas de que «povo» é que fala? A ideia de povo é muito antiga. Poucas noções são tão ambíguas como esta. Cada um a invoca consoante lhe interessa.

Começou por coincidir com o conjunto dos cidadãos gregos e romanos, um grupo, afinal, muito restrito que se distinguia dos inapresentáveis metecos e bárbaros. Na Idade Média o povo era um «estado» regido por um estatuto próprio que, diga-se em abono da verdade, no nosso país compreendeu sempre direitos de representação política. Basta ler Fernão Lopes, conhecer alguma coisa da história municipal do nosso país e saber interpretar os painéis de S. Vicente. Tudo isto apesar de uma série de patranhas que os programas oficiais do ensino obrigam os professores a dizer às crianças.

Depostas as monarquias absolutas, que o diminuíram, o povo voltou ao de cima pela mão do abade Sieyés, antes da revolução francesa. Povo passou a ser o «terceiro estado» ou seja, aquela maioritária parte da população que para nada contava politicamente durante a monarquia absoluta. O que era o terceiro estado, perguntava Sieyés? Nada. O que representava? Tudo, asseverava. Depois de revolução francesa – que foi um desastre político, mas um magnífico alfobre de ideias -, o povo universalizou-se, e passou a ser em vez de um bando de sans-cullotes ignorantes e sanguinários, espicaçados pelos oportunistas e revanchistas que nestas alturas sempre aparecem, o conjunto sereno dos citoyens finalmente iguais e livres do preconceito. A razão imperou. Hegel é que sabia, pois que, como previa, a história ia realizando, a pouco e pouco, o destino racional do homem.

Mais tarde – já com o terceiro estado cada vez mais alargado e a votar em cada vez maior número -, garantia Marx, depois de tresler Hegel, que afinal o povo era o conjunto dos proletários, e que não havia hipótese de entendimento com os não-proletários. A vida política era baseada numa luta de vida e de morte com o capital. Não havia diálogo possível. A relação não era de diálogo, era de antagonismo. Marx instituiu a guerra civil arvorada a «filosofia da praxis», ou seja, da transformação radical daquilo que não agradava ao partido dos proletários.

No nosso país as coisas atingiram o paroxismo nos anos de 1974 e 1975. De um lado estava o «povo» acolhido junto às sedes do PC, e, do outro, os malvados, ditos «lacaios do capital», «parasitas», «sabotadores», «açambarcadores» sempre a «morder a nuca do........

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